sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O Fiel Jardineiro: Duas perspectivas

Óscares e lobos
Há 3 coisas que não gosto: Fazer malas, andar por ruas cheias de presentes caninos e que me forcem a sair da sala do cinema logo após o fim do filme, caso este me tenha agradado. O fim de um filme é, muitas vezes, a consagração viva do mesmo. Assim como há quem tenha o gesto admirável de homenagear pessoas (em vida, imagine-se!) por quaisquer feitos por si realizados, também há quem goste de bajular por telepatia os filmes quando estes terminam. O teatro concebe momentos para a consagração (ou não) dos actores de qualquer peça. Após serem engolidos pela cortina que antecipa o programa de festas, os artistas regressam e são avaliados pela sua audiência. Pois bem, também as legendas sonoras da recta final de um filme devem servir para uma introspecção valorativa do impacto que este teve em quem o vê. Este período, compreendido entre o eterno “FIM” e o reacender das luzes da sala, é um momento íntimo de diálogo entre legendas e espectador, música e ouvinte, escuridão e luz (a nossa). Nestes breves minutos, se o filme em causa nos colou à cadeira como um avião lançado para levantar voo o faz, temos a possibilidade de expressar o nosso obrigado, aquecendo o lugar mais um pouco e entregando o nosso óscar por telepatia. Partilhei esse momento com o resto da sala em “ O Fiel Jardineiro”. Revelo-me derrubado pela primeira obra internacional de Fernando Meirelles (Cidade de Deus). De uma fase anterior ao visionamento do filme em que as minhas expectativas não eram famosas, passei a um estado pós-filme em que me via num silêncio apaixonante e quanto menos falava melhor me sentia. Todo eu era introspecção naquele momento, todo era uma pessoa que tentava ser melhor. Meirelles constrói um enredo à volta do casalinho da ordem, Tessa (Rachel Weisz) e Robert (Ralph Fiennes), cuja convivência é marcada por manifestos conflitos entre o ser e o não ser. A questão de Shakespeare é para aqui chamada na perspectiva de Robert, que a partir de rumores ou interpretações erradas, constrói uma nova realidade na qual encaixa a sua vida conjugal a partir de informações fornecidas directa ou indirectamente pela sua Tessa. No detalhe, as surpresas chovem a um ritmo preciso. Durante duas horas o realizador brasileiro encadeia os acontecimentos pela lógica do nosso raciocínio, dá-nos tempo para a consolidação dos mesmos e, em seguida, destrói-los, colocando tudo em causa. O que pensamos ter apreendido (a medida temporal é jogada de forma muito inteligente) ganha novos significados quando menos esperamos, num processo que tende a forjar a auto-censura do espectador. Meirelles parece criticar o género humano por assimilar determinados estereótipos que turvam a visão real do que nos rodeia. Assim, existe também uma aproximação entre actores e espectadores, com as personagens a mudar à medida que observamos a nossa própria mudança. No Kilimanjaro deste “Fiel Jardineiro” aparece Rachel Weisz, que surpreende tudo e todos depois de nunca ter elevado o razoável do seu desempenho como actriz junto do esplendor da sua beleza. Neste filme a britânica metamorfozeia-se aos nossos olhos com uma facilidade estonteante, encarnando o papel de mulher-menina cuja alegria de viver é tão grande quando o tamanho do seu coração justo. No mais, o drama do que “está escondido por debaixo das pedras” por locais como o Quénia de Meirelles esbofeteia-nos à medida que as legendas finais vão subindo na tela até desaparecerem. Sendo certa a adaptação deste filme ao romance de John le Carré, “O Fiel Jardineiro” aborda o lado escondido do colonialismo, o da subversão dos “mais fracos” perante os “mais fortes” e a impotência que sentem aqueles que tentam remar contra a maré. Os esforços de Tessa e do médico que a acompanha no desvendar de um mistério que envolve uma grande empresa farmacêutica que fornece medicamentos para o Quénia são cortados pela raiz. A ociosidade dos big brothers da “civilização” não só não sacia a fome por justiça que a encaminhava para os ossos esfomeados da população de Nairobi como a enviou precocemente para o céu. Quando temos um coração bom e a consciência leve acabamos por dizer e fazer o que nos vem à cabeça. Embebidos no entusiasmo que nos embriaga, pensamos apenas no consumar do que idealizamos e o pesar das consequências fica de fora. Por vezes corremos rumo à toca do lobo, queremos ajudar a presa lá retida, indefesa, já ferida. O pior é o lobo.
R.C.


Não

Ao entrar na sala de cinema não fazia ideia do que me esperava. Aliás, pensava até que seria apenas mais um filme lamechas todo dramático e acima de tudo enfadonho. É claro que ainda não tinha lido nada acerca do filme, mas ainda assim, tinha três boas razões para o ir ver. A primeira dessa platinada trilogia era Ralph Fiennes. Quem não se lembra da sua fantástica interpretação de um lunático fascista em A Lista de Schindler (Steven Spielberg, 1993)? A segunda razão,Rachel Weisz. Depois do excelente papel desempenhado em O Homem Que Veio Do Mar (Swept From The Sea, Beeban Kidron, 1997) e de ter andado perdida em filmes como A Múmia e O Regresso da Múmia, eis que Weisz volta a marcar encontro com a qualidade, nesta sua interpretação de uma activista humanitária. Por fim, last but not the least: Fernando Meirelles, o realizador de A Cidade de Deus (2002), que nos deixou boquiabertos pela forma como a sua lente capta a violência – e The Constant Gardener, acreditem, não fica a dever nada a obra-prima de Meirelles. Não pretendo com este texto contar a história do filme ou fazer qualquer abordagem crítica do mesmo. Para isso, meus caros leitores, peço-vos que se dirijam às poucas salas de cinema que ainda têm esta fita em exibição.
Pretendo, sim, falar-vos do que senti após as mais de duas horas de cinema com que fui brindado pelo realzador brasileiro. Sem dó nem piedade Meirelles mostra-nos o quão podre este mundo pode ser. Sim, o filme fala-nos de amor, de paixão levada aos extremos (pelas pessoas, mas também pelas suas crenças), mas sobretudo diz-nos da corrupção que corrói o mundo diplomático ocidental, da pobreza e da miséria que se vive um pouco por todo o continente africano, fala-nos de todos os execráveis jogos políticos que visam apenas um e só objectivo: o lucro. O lucro a qualquer custo. A teoria Maquiavélica de que os fins justificam os meios, mesmo que esses meios se tratem de seres humanos.
Depois de assistir a O Fiel Jardineiro, voltei a questionar tudo aquilo que me ensinaram, tudo o que aprendi a questionar desde pequeno: A Democracia.
A cultura ocidental tem, de facto, as suas virtudes, mas, como tudo, tem também os seus inevitáveis defeitos. O mais grave é que esses defeitos, destroem o mundo, consomem vidas a mesma velocidade que nós, ocidentais, consumimos hamburgueres e Coca-Cola, e fazem de nós os maiores monstros de que a história se pode lembrar. Enquanto uns morrem, pagando a factura da nossa luxuosa vida, nós vamos vivendo numa suposta (utópica?) liberdade, correndo atrás de Euros e de Dólares, bradando ao mundo a nossa perfeição.
Dizemos que o mundo islâmico vive cego pela religião, que são uns fanáticos, uns violadores, uns doidos – uns fundamentalistas sem sentido. Independentemente de isto ser verdade ou não (não é o que está em questão), impoe-se a interrogação: e nós? Não seremos também uns fundamentalistas democráticos? Não serão a democracia e a liberdade a nossa religião, no sentido que nos referimos a deles? Será a democracia o projecto (falhado?) de um mundo perfeito, ou apenas um véu que tapa tudo o que se passa no resto do mundo e transforma a nossa inteligência em perfeita arrogância (podem substituir por ignorância, se preferirem)?
Quando o filme acabou, ninguém ousou levantar-se da cadeira. Nem uma única pessoa se mexeu. As palavras não saíam. Não me apetecia falar. Quando finalmente saí, reparei que os outros espectadores, também não vinham com grandes conversas, mas sim com o olhar pensativo e pesado. Talvez pensassem na culpa que germinava dentro deles. Talvez pensassem na revolta que sentiram por saberem que nada irão fazer para mudar alguma coisa.
É triste saber que a miséria que urge neste planeta, é a consequência directa da nossa liberdade, do nosso consumismo, do nosso ridículo futuro manchado de sangue de gente indefesa e inocente. É triste saber que tudo se deve a interesses políticos, financeiros e até pessoais, de um todo poderoso monstro diplomático qualquer. Somos marionetas nas mãos dos nossos políticos. Somos peças viciadas de uma velha e ferrugenta engrenagem.
Se as grandes potências mundiais fossem empresas (e será que não são?), então deviam todas fechar para obras de reestruturação e por tempo indeterminado.
Perto da mesa onde escrevo estas palavras, brincam crianças que desconhecem estas coisas, e passam adultos descontraídamente despreocupados. Até quando continuará este flagelo? A que custo conquistamos nós esta espécie de liberdade?
Não. Não há palavras que possam expressar este meu descontentamento. Quero fugir para um sítio sem palavras, conceitos ou teorias. Quero desaparecer.
F.A.R.
"As soon as you’re born they make you feel small,
By giving you no time instead of it all,
Till the pain is so big you feel nothing at all,
A working class hero is something to be.
They hurt you at home and they hit you at school,
They hate you if you're clever and they despise a fool,
Till you're so fucking crazy you can't follow their rules,
A working class hero is something to be,
When they've tortured and scared you for twenty odd years,
Then they expect you to pick a career,
When you can't really function you're so full of fear,
A working class hero is something to be.
Keep you doped with religion and sex and TV,
And you think you're so clever and classless and free,
But you're still fucking peasants as far as I can see,
A working class hero is something to be.
There's room at the top they are telling you still,
But first you must learn how to smile as you kill,
If you want to be like the folks on the hill,
A working class hero is something to be.
If you want to be a hero well just follow me"

John Lennon

"Big man, pig man, ha ha, charade you are
You well heeled big wheel, ha ha, charade you are"

Roger Waters

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sendo uma visitante assídua deste blog, devo dizer que me sinto impotente perante este texto. Composto por duas perspectivas convergentes, leva-nos ao reconhecimento de um mundo repleto de corrupção e sobrevivência dos mais fortes...uma realidade. E, todas as ideologias q nos são incutidas desde cedo, deixam de fazer sentido:"utopias". Depois de imagens tão fortes como as que foram proporcionadas por Meirelles, o sentimento de impotência tomou conta de mim, a revolta manifestada em silêncio, como se estivesse de luto pelas crianças de África, silêncio pelos que lutam incessantemante, pelos que morrem a cada minuto enquanto estou confortável, na minha casa com aquecimento central e máximo conforto.Não estou aqui para deixar um post mas, para parabenizar estes dois jovens escritores que me renderam as suas simples e sentidas palavras. E gratificante quando um filme nos faz escrever dessa forma. Continuem.

3:34 da tarde, fevereiro 24, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Os vossos comentários so me deram vontade de ir ver o filme. Fiquei foi surpreendido por terem esse despertar só depois de ver o filme, voces não tinham mesmo noção do que se passava à vossa volta? Não acredito. O problema disto tudo é que nada vai mudar, não há nada que possamos fazer que seja perfeito, afinal somos apenas humanos, e como tal temos somente de nos remeter à nossa condição como seres imperfeitos e idealistas que somos e não nos devemos sentir assim abalados como voces se sentiram, mas sim inspirados na tentativa de fazer algo melhor, mais aproximado da perfeiçao e da tentativa de tornar este mundo melhor, nao so para nos como para todos os que nos rodeiam. Utopias...utopias...

2:33 da tarde, fevereiro 25, 2006  
Blogger Maya said...

De uma fase anterior à leitura do teu post, em que as minhas expectativas não eram famosas, passei a um estado pós-leitura, em que a minha curiosidade perante "O Fiel Jardineiro" promete saciedade não antes do visionamento desta obra cinematográfica.
Vou ter que gastar 3,85€ por culpa tua! (sem contar com o preço das pipocas! :P).
Beijinhos, Rui***

7:50 da tarde, fevereiro 25, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Caro anónimo, é claro que já tinhamos consciência destes problemas, o filme foi só mais um pretexto!

Obrigado por teres lido os nossos textos, e acima de tudo, por teres deixado o teu comentário.

10:10 da tarde, fevereiro 26, 2006  
Anonymous Anónimo said...

caro f.a.r. de nada. *

12:10 da manhã, março 01, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Por vezes existem facetas da nossa sociedade que só saltam aos nossos olhos quando são sustentadas por uma base muito sólida. Este filme foca uma dessas facetas e explora-a de forma brilhante (grande mérito neste aspecto para o romance de John Le Carré).
O poder das farmaceuticas e a sua influência por todo o mundo leva a que aconteçam coisas como as que são relatadas no filme!
Também nunca pensei que "O Fiel Jardineiro" fosse o filme que realmente é. Para além disso,tal como vocês saí da sala de cinema estupefacto. É incrivél a componente romantico-trágica que envolve a história e vocês souberam expô-la de forma brilhante. Um grande trabalho de ambos!

5:18 da tarde, março 02, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Meus caros,

Tou boquiaberto com os textos: pena será dizer que aqui em Leuven o filme nem chegou a estar; pode ser que ainda o veja em Bruxelas... mas é, de facto, engraçado verificar que no dito "coração" da Europa que é Bruxelas y sus afiliados: a universidade de Leuven um deles.. esse filme não tenha sido muito falado. O mundo diplomático e político europeu é vivido aqui como uma chama ardente e presente, apesar das reacções (que ainda teimo em lembrar) sobre a constituição. Ansiosamente verei o filme e darei a minha palavra.

Abraços (())

1:02 da tarde, março 04, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Granda filme,sim senhor...gostei mt,mas confesso k tb n estava à espera.Foi bom pk surpreendeu,pk adoro a Rachel Weisz,axo-a simplesmente linda,foi bom pk apesar de n ter final feliz,cm eu sp gosto,acabou da melhor maneira...e foi bom pk nos permitiu questionar acerca de mts coisas... e sobretudo, fez-me sentir uma angustia mt grande por n poder fazer nd contra o k está mal neste mundo...e pensar cm há pessoas capazes de tamanhas atrocidades.É bem melhor aproveitar a vida a amarmo-nos uns aos outros...
Beijao

2:22 da manhã, maio 09, 2006  

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