sábado, março 04, 2006

The Island of Memoirs

Irlanda: Dublin, Belfast & Causeway Coast

Depois de ter sido apresentado aqui no Desvio do Pensamento o trabalho e os resultados a nível económico das políticas irlandesas (por R.C.), viajei até lá para espreitar um pouco da ilha. Da Irlanda em si, Dublin; da Irlanda do Norte, Belfast e a “so-called” Causeway Coast. E muito ainda há para descobrir naquela ilha.

Ao aterrar em Dublin, a primeira impressão é a de que vou estar não sei quantos dias numa ilha onde não consigo perceber três quartos do que eles dizem. O «Irish accent» aproxima-se, por vezes, do Chinês. Se peço indicações, percebo meio nome da rua que estava à procura; se peço uma Guinness, percebo metade do preço daquilo que realmente tenho que pagar. Se o «British» já pode ser tramado, o «Irish» é… Chinês. De Dublin só conheço os U2 e o Oscar Wilde quando aterro. Saio de lá apaixonado pelo bairro de Temple Bar – com todo aquele ar alternativo e de ter sempre uma boa exposição ou um bom concerto à porta; e com um certo apego ao valor que os irlandeses dão a um bom pub, uma boa Guinness e um bom concerto de música celta… Juntando o Trinity College, a National Gallery, a casa do Oscar Wilde, as várias caminhadas e uma vista de olhos pelo Book of Kells – e saio de Dublin com um sorriso pregado na boca, pronto para continuar a viagem.
Chego a Belfast e desiludo-me em três segundos. Cidade sem furor de beleza. Esburacada por novos investimentos por todo o lado e vestida pelo sem-fim de receio por mais bombas, assassínios ou raptos. Coração dos conflitos político-sociais dos chamados “troubles”, que desde 1969 assombram a parte Oeste da cidade, Belfast resiste optimista quanto ao futuro. Estampado na cara das pessoas estão dois componentes: um passado magoado e um convicto sabor a felicidade para o futuro. Misteriosa mistura que dá uma estranha vontade de enaltecer a cidade. O que me levou a Belfast não foi a sua arquitectura ou os seus monumentos (que em muito me surpreenderam), mas sim a curiosidade por aquela tensão criada pelos “troubles”; os murais protestantes e católicos; os sentimentos de quem vive num dos lados da fronteira criada por tão fortes divergências. E foi isso que vi. De Shankill Road – coração do bairro protestante – até ao bairro católico em Falls Road, senti a tensão, admirei a brutalidade dos murais e ouvi os sentimentos dos dois lados da fronteira. Dispersos ainda entre vinganças e ódios, estes sentimentos são assustadores pela sua magnitude – «Estás a ver esta cicatriz no meu pescoço? Foi a IRA há já uns anos atrás»; «Eu não sou irlandês! Sou inglês e fiel à Rainha! Protestante de gema, nascido e criado em Shankill Road»; «Estás a ver aquele carro ali a 50 metros? Há 4 meses explodiu ali uma bomba armadilhada num carro e eu estava aqui a fumar um cigarro» … A intensidade dos acontecimentos é já quase banalizada por todos, enquanto eu receio, da cabeça aos pés, pela minha permanência até já à noite nestes dois bairros, em muito, ameaçadores.
Parto então para a última etapa desta viagem: a visita à Causeway Coast – costa do topo norte da ilha, recortada por altíssimas falésias e uma natureza pura e sentida. Uma caminhada de 18 km pela costa de Ballintoy a Bushmills, passando pelo fenómeno natural, grandioso e parte do património da UNESCO – Giants Causeway – bastou para perceber a magnífica força da natureza irlandesa. Talvez da Irlanda mesmo em si, daquilo que sempre foi e que, esperemos, sempre será: «an island of memoirs» ... onde nos perdemos muito fundo em nós próprios.
“So peaceful and calmly this place it seems to be,
Yet I stare at it sadly for its thru a picture I see,
This land far, far away from mine
I watch the clock in patient time
For someday soon I’ll touch the sand
Of this calm place called Ireland.”
Chantal O’Connor
J.A.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

"Law is order in liberty, and without order liberty is social chaos."

Arcebispo da Irlanda

Esta frase disto tudo em termos de conflito irlandês.

Agora relativamente ao resto do comentário tenho-te a dizer que saboreaste a mistica irlandesa de forma bestial e invejo-te por isso. Penso que seja talvez um dos povos carismáticos que existe, com um enraizamento cultural fabuloso e que ao mesmo tempo consegue evoluir sem nunca deixar esse passado apodrecer o que é sempre de enaltecer.

P.S. Vê la se comentas os textos dos outros, não te ficava nada mal

12:34 da manhã, março 06, 2006  
Blogger Rui Coelho said...

gostei do texto!
Gosto do sentido de observaçao que expressaste no texto.
abraço

6:13 da tarde, março 07, 2006  
Anonymous Anónimo said...

O teu texto está muito bem pensado e noto uma aproximação vertiginosa a uma escrítica jornalística já avançada pela forma como relatas o que viveste. Visitares o palco de uma tragédia que, como tantas outras, teve início no ambiente calmo de uma manifestação pacífica, deve ter sido uma experiência única.
” Tonight... we could be as one tonight...”, gritam os U2 para Belfast, com Londres à escuta.
Mesmo que os tempos que correm estejam a criar crosta numa ferida aberta há mais de 30 anos, a marca ficará para sempre na alma da ilha irlandesa. A norte ou a sul, ainda cheira a domingo ()

7:00 da tarde, março 07, 2006  

Enviar um comentário

<< Home