domingo, abril 30, 2006

Irreal Social

Eu odeio centros comerciais. No outro dia perdi-me e fui parar a um desses fantásticos edíficios, ainda para mais, na margem sul e cujo o nome não menciono para não fazer publicidade (só mesmo porque não quero!). A certa altura dou comigo a pensar: todos os centros comerciais são iguais. Sim. Eu sei. Não é preciso ser um génio para chegar a esta conclusão. Contudo, o meu raciocínio levar-me-ia mais longe: se todos os shoppings (também odeio estrangeirismos), esses colossos de consumismo espalhados por todo o país, são iguais, então, todos os seus visitantes ou clientes habituais serão igualmente, iguais, passe a redudância. Esta rudimentar teoria seria confirmada.

Dei uma volta por esse centro comercial e vi as coisas do costume: o namoradinho com ar de cromo e calças baratas à portuguesa, vai com o bracinho em cima dos ombrinhos gordos da namorada horrorosa. Tão angelicais que eles são:ela, com aquele sorriso de Mona Lisa arrependida e ele com aquela cara de quem nunca tinha estado ali. Uns inúteis!
Mais à frente paro junto de um cinzeiro para fumar um cigarro (num centro comercial tem que se fumar muitos cigarros), e constato que todos os que passam por mim se vestem da mesma maneira. As mesmas marcas, as mesmas cores. O que me levou, consequentemente, a esta ideia: com tantas lojas diferentes, e andam todos com as mesmas roupas, isto deve querer dizer que há lojas que vendem às toneladas e outras que nem um miserável parzinho de meias vendem a um velhote decrépito! Percebem a ideia?

Num outro corredor, um novo casal de namorados. Estes com ar de casados, aquele ar de frete do tipo: “antes isto que ficar a noite toda a ver a TVI e a morrer de tédio”. Estes gajos, garanto-vos, não sabem o que é sexo há um ano e andam para ali com aquele ar de comprometidinhos como se o amor fosse compromisso. Ele, tem ar de companheiro. Não parece ser namorado ou marido. É companheiro. Ela, enfim, assemelha-se muito ao estilo noiva-cadáver, o que nem é assim tão mau, isto é, há pior, ou seja, ela é horrivelmente feia mas ainda assim conheço casos mais críticos.

Não posso com esses individuos com ar de companheiro. Companheiro é, certamente, o pior adjectivo que uma mulher pode utilizar para caracterizar um homem. Se uma namorada minha se referisse a mim nesses termos, estaria tudo terminado. Meninas, desenganem-se! Eu não sou companheiro de ninguém. O companheiro é aquele que acompanha, o que me faz lembrar a palavra acompanhante. Acompanhante, para além de prostituto, também pode ser utilizado como peça decorativa, dependendo dos contextos. Ora! Eu não sou uma peça decorativa!
Passo discretamente por esses majestosos corredores de lojas. As montras, nem dou por elas. Penso: “sou um anti-social. Não gosto de nada, não gosto de ninguém. Sou aquele que simplesmente não encaixa. ”Já nos anos 70, Patti Smith cantava: “Out of society, they’re waiting for me//Out of society, that’s where I want to be”. É isso que eu sinto. Sinto que estou fora da sociedade, e penso nisso como se fosse um crime. É este tipo de repressão que eu vivo em tudo o que faço. Eu não gosto de feriados, de épocas festivas nem daqueles bailinhos da terrinha da nossa infância. Eu não gosto de desportos radicais, ginásios nem música de merda. Eu não gosto de aniversários. Nunca vou a funerais. Casamentos, nem se fala.
Sou um anti-social. Que dúvidas restarão?

Este tempo é-me estranho, estes sítios são-me estranhos. Olho para os outros, os que passam por mim, parecem-me bem sucedidos na vida. São pessoas perfeitamente inseridas no sistema. Putos de vinte e tal anos, uns acabaram os cursos outros não, já todos casados, com filhos irritantes aos berros, provavelmente com um carro que não podem pagar e a fazer compras com cartões de crédito. Acho que já deu para perceber que não gosto muito desta gente, certo? Pois bem, no entanto, acho que eles é que são bons. Mais: acho que são melhores que eu. Eles conseguiram sobreviver com o sistema. Eles adaptaram-se. Eu não. Mesmo sabendo que eles não sabem nada. Mesmo sabendo que são meras marionetes. Acho que todos esses acomodados vivem melhor do que eu. A última grande preocupação destes gajos foi: “Meu Deus! Já constroem mais centros comerciais que estádios! Onde é que isto vai parar!”. Ou então têm conversas intensas acerca de uma telenovela juvenil qualquer.

Eu, cá por mim, ando sempre preocupado com alguma coisa. Nem que seja uma notícia num jornal sobre a baleia-xpto-que-está-em-vias-de-extinção-num-mar-qualquer-longínquo-que-ninguém-sabe-onde-fica. Eles não. Eles andam felizes, ou pensam que andam felizes, ou qualquer coisa que os valha. Eles ouvem Michael Bublé (será assim que se escreve?), eu oiço Frank Sinatra. Eles ouvem James Blunt (a revelação do ano, segundo a MTV), eu oiço Neil Young. O que me vale a mim conhecer as obras completas de Piaf ou Brel? E por outro lado, que culpa tenho eu de não gostar daquilo que todos gostam? E ainda assim, nem sei porque é que não gosto dessas coisas, pelo menos, se me pedissem para explicar, eu não o saberia fazer.
Só sei que tenho tendência para odiar aquilo que os outros gostam e é por isso que odeio centros comerciais. Porque lá é tudo diferente de mim e eu não me revejo em nada, e para agravar, todos os que passam por mim parecem cópias uns dos outros. Ou serão os centros comerciais que são cópias uns dos outros?

Qual o objectivo deste texto? Não sei. Mentira. Sei, mas não vou dizer porque sou um artista.


Curiosidade: (completamente desinteressante e que ninguém vai ler porque desistiram todos a meio) Este texto foi escrito ao som de No More Shall We Part de Nick Cave & The Bad Seeds.

Agradecimentos: Nick Cave & The Bad Seeds, Centro Comercial Anónimo, aos dois casais de parolos que vos falei e ainda a todos os bimbos ignóbeis que tiveram a infelicidade de passar por mim naquele triste fim de noite. Para esses, que ardam no inferno!

Citações:

“Sarcasm can be a dangerous weapon”
(A.A. – Autor Anónimo)

“Misery is the river of the world”
(Tom Waits)
F.A.R

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Tou a escrever este comentário a ouvir "Not an addict" dos K`Choice e é provável que a proxima musica seja Ban.
Contemplo "A Voz", mas também oiço Michael Bublé (escreveste correctamente).
Tudo aquilo que te repele é algo que me passa ao lado porque se calhar fui engolido nesse buraco social ou simplesmente mergulhei nele de cabeça.
Parece-me líquido que pretendeste agitar as águas com o que escreveste. Noto aí uma vontade maso-azeda de leres algo que confirme o teu discurso e te afaste da sociedade pelo sentido inverso ao que tem acontecido. Seja como for, e sendo eu um poro do monstro social, quero que saibas que vais de ter esforçar bastante para que eu não tenha vontade de passar as noites de sábado contigo e o alentas nos nossos pseudo-cenáculos inverosímeis do ponto de vista alcoólico.
Li o teu texto até ao fim, tou a sacar a musica que o escreveu e afinal foi Yann Tiersen.
Mas também podia ser Ban ()

11:41 da tarde, abril 30, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Não sei se deva encarar o autor do texto como um "anti-social", imagino-o como um conscencioso, insatisfeito com o que a sociedade lhe mostrou. Todos fazemos parte dela, não há nada que refute essa realidade. Foi essa sociedade que te mostrou o mau mas, também te deu a conhecer o bom. é a partir dessa balança que nós, como seres sociais tomamos a decisão de fazermos parte dela. Todos nós temos o poder de escolher o que poderá fazer parte da nossa vida, o resto(infelizmente!) está lá. Muitas vezes, pomo-nos pensar que nos encontramos num pântano social e que nos vamos deixar enterrar num lamaçal qualquer. Mais valia afundarmo-nos no wiskey, protegidos na penumbra. Para nosso bem só conseguiríamos ver o jogo de luzes nocturnas a brincarem com os gatos perdidos da noite. Mas, temos que sair para comprar tabaco e mais uma garrafa.E, ver.. este desiquilíbrio social que nos afecta e que nos revolta.Temos de nos saber segurar. parabéns. Boa banda sonora...

12:12 da tarde, maio 01, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Eu sinto precisamente isso que tu sentes, no entanto tu próprio és também atraido para esse fosso social nojento e repulsivo quer queiras quer não e no fundo acabas também por te dar com esse género de pessoas que repulsas, porque tens noção que também nao é só isso que elas aparentam, porque tu fizeste apenas uma análise de superficie e não digo que esteja errada, contudo há-de haver sempre um ou outro caso em que notas que não é assim como tu pensas ao principio, ainda no outro dia tivemos esta conversa se bem te recordas, ou então não, visto que os psicotrópicos ja tavam a actuar em nós..

"Men are born free, but are everywhere in chains" Jean-Jacques Rousseau.

Ou seja.. há sempre uma pequena parte de nós, por muito que nós tentemos evitar, que está colada ao social, porque o Homem é um ser social e infelizmente o social que vemos no dia a dia não tem nada a ver nem contigo nem comigo, resta-nos a nós procurar o nosso próprio social onde nos podemos desenvolver e realizar, o que nos dias de hoje é extremamente dificil, nao só por existirem muito poucas pessoas que pensem como nós, mas também porque as vicissitudes capitalistas nos comprometem em termos monetários e para teres dinheiro para conseguir fazer alguma coisa tens de te juntar aos que tu odeias..

Para finalizar, em relação ao comentário em si acho que está muito bom e convida à reflexão, algo que ja fazia falta neste blog. E viva o Karaté Kid!

2:08 da tarde, maio 01, 2006  
Anonymous Anónimo said...

Como não podia deixar de ser, lamento caríssimo, mas dei mais importãncia à parte da curiosidade... Que seria de mim sem o Nick Cave?!
Pois é..mas esse grande senhor não tem a culpa da miséria de sociedade em que nos vemos inseridos, vamos portanto não misturar as coisas...
Revi-me no teu texto... a diferença é só uma: eu não vou à margem sul! Mas o mais engraçado é que esses casalinhos que referes devem ter muita mobilidade... eles estão por todo o lado: casam, assim por volta dos 24 anos, depois de um longo e entediante namoro, vão morar para o Cacém (claro... where else?), compram uma carrinha monovolume (para levarem os futuros filhos, cães e sogros) e depois passam a vida inteira enfiados em casa, ou nos centros comerciais (que até nem se paga para entrar...), porque entretanto têm o carro e a casa para pagar!
Já perto dos 24, que estou, começo a achar que há aqui qualquer coisa que não correu bem, ainda me falta tudo para atingir isto a que eles chamam "vida".
Vida, no meu ponto de vista (e sem querer ferir susceptibilidades...), começa por passar a tarde a ouvir um bom cd, a ver um bom concerto, a ler um bom livro...ou a ver o mar, ou o sol, ou a lua, ou a olhar para o vazio.... desde que...com boa companhia! Tenho dito!

11:11 da manhã, maio 09, 2006  

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