sexta-feira, maio 27, 2005

O sentido

“Contos Exemplares” é uma obra de Sophia de Mellho Breyner Andresen recheada por um conjunto de textos, neste caso, contos que se apresentam carregados de subjectividade e por uma vertente extremamente humanista, que tem a capacidade de dar largas à imaginação do leitor. Toda e qualquer interpretação estará revestida por uma visão única, com perspectivas e entendimentos diferentes de outros.
Apesar de os contos em geral serem acompanhados por uma linha misteriosa, apenas um foi capaz de suscitar em mim o interesse ou mesmo a vontade de reflectir sobre cada parágrafo, frase, palavra e pontuação.
O conto “O Homem” foi o único que ocupou na minha mente um lugar eterno, isto porque remete para um tema que raramente é questionado, o sentido da vida. “O Homem” descreve vários elementos do nosso dia-a-dia, as horas, o movimento cosmopolita, o stress que nos é imposto e o desaparecimento dos poucos minutos que temos para pensar em nós. No meio deste turbilhão citadino, três personagens fazem uma história. Um homem com uma criança ao colo e uma mulher que no meio de um oceano humano pára para observar a decadente imagem do homem e a divina beleza da criança.
É bem visível que em todos os contos a autora tenha tentado colori-los com um guache religioso, mas fê-lo de uma forma tão subtil que nem nos apercebemos das pinceladelas mal dadas.
Com um olhar agora mais virado para o conto, a própria sociedade que nós criámos é anti-natura. Nós conseguimos ter o poder de nos auto-destruir, afastando-nos de questões existencialistas de elevada importância. Os dias correm ao ritmo de uma montanha russa, tal como a velocidade da onda humana referida no conto. O que acontece, é que tornamo-nos cada vez mais em seres anónimos sem capacidade de justificar a razão pela qual existimos. Os nossos cérebros são ocupados de tal maneira que nos levam por vezes a agir irrazoavelmente. Adoptamos o sistema mais simples, que é o de viver como se não existíssemos e de evitarmos os debates “filosóficos” sobre esse mesmo sentido.
Estaria a mulher à procura de algo? Seria o homem das barbas pontiagudas, com aspecto de mendigo, “Deus”? E a criança?
Mas o que realmente procurava aquela mulher? Talvez uma alternativa ao sentido de viver. E será que ela já tinha um caminho definido? Talvez não, isto porque se o tivesse nunca teria abandonado aquele ritmo robótico daquela corrente humana.
A meu ver, hoje em dia somos obrigados a nos afastar de certas formas celestes que nos poderiam dar a conhecer a verdadeira Natureza. Aquela que nunca foi nem nunca será transformada. Onde não existem alternativas porque tudo tem uma razão de ser. Os olhos da mulher fixaram-se numa imagem que lhe proporcionou um verdadeiro bem-estar. Todos os sons, luzes, movimentos que a rodeavam desapareceram e num curto espaço de tempo, as três personagens foram inseridas num círculo harmonioso. Ela, percebeu definitivamente que vive na palma da mão de uma entidade divina e que se for capaz de encarar isso com toda a sua fé, será uma excepção envolta em felicidade no centro de uma mundo tão superficial.
O homem morreu e desapareceu, talvez devido às pessoas não quererem encará-lo como a razão de existirem. A imagem pobre que ele apresentava é o símbolo de abandono daqueles que acreditavam e que hoje, já nem se lembram que um dia acreditaram. A criança, com certeza que simbolizava a beleza para aqueles que tiveram a coragem de acreditar que a vida não é vivida somente à superfície da pele. É também vivida de forma interior.
Ter fé basta viver-mos conscientes de que estamos vivos. Aquela mulher precisava de “Deus” para se sentir viva.
B.M.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sabes o que é engraçado na vida?a própria...o que é que todos procuramos?a felicidade, um bem maior, sei lá, todos nós procuramos algo que nos faça ter vontade de viver; que nos faça levantar de manhã e nos faça acreditar que vale a pena sair da cama para encarar mais um dia, pa enfrentar a dor e o sofrimento que são inerentes ao viver...
A tua abordagem a"O Homem" é interessante, gostei do texto...

9:13 da tarde, maio 29, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Fé...prefiro encará-la como a simples crença de que Alguém, omnipotente e omnipresente, está "lá em cima" a olhar por nós. Algúem que tem o poder de nos livrar de todos os males.
No entanto, não encaro essa divindade como responsável pelo meu destino.Acredito que o futuro é contruído por mim e pelas minhas decisões. Acredito que sou eu que o moldo porque não está pré-determinado, embora nalgum momento possa ser e necessitar ser orientada nalguma direcção.
Quanto ao teu texto acho que está deveras interessante porque me pareceu que te conseguiste abstrir, pelo menos em parte, das tuas próprias crenças, apresentando-o do próprio ponto de vista das personagens.Gostei do texto e gosto de ti eheheh

1:26 da tarde, maio 30, 2005  

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