quarta-feira, maio 18, 2005

Mondovino

De uma forma incrivelmente bem feita, Johnattan Nossiter conseguiu criar um filme onde o mundo do vinho e o da política andam de braço dado.
Um filme que não se traduz somente num documentário como também num espelho que reflecte o poder do mundo ocidental e sua influência na forma de pensar das pessoas. Num estilo muito romancista, Mondovino apresenta-nos os testemunhos daqueles que temem o conceito de capitalismo/globalização e daqueles que, sob a alçada de um efeito hipnotizante, apenas pensam em lucro. Lucro esse onde a dignidade, os valores morais e a história familiar não podem ser obstáculos nas decisões tomadas perante papéis que determinarão o futuro de uma marca de vinhos.
Começando pela perspectiva daqueles que se encontram em vias de extinção, os pequenos produtores deram-nos a conhecer a razão porque produzem vinho.
Estes, proprietários de poucos hectares, dedicam-se a esta actividade como um artista dedica-se à sua. Aos olhos destas minorias, é uma actividade onde o sucesso só é obtido quando existe harmonia, quando o produtor entra em sintonia com o objecto. “ Para produzir vinho é preciso fazê-lo como um poeta, é preciso haver uma ligação espiritual com a terra”. Cada pequena parcela de terreno tem o seu próprio resultado final. Para explicar isto, um “terroir” que se encontra virado para onde o sol nasce dará uma uva com sabor diferente de aquele que se encontra virado para onde o sol se põe. Desta forma, para eles é incompreensível como o conceito de globalização esteja a ser inserido neste pequeno mundo.
Cada vindima é vivida com intensidade. O amor que foi transmitido a cada raiz, o cansaço de tanto suor escorrido nos campos, o transpor da própria personalidade para o sumo de cada uva é que será, para eles, o resultado de um bom vinho e por conseguinte o orgulho da sua marca.
Numa perspectiva oposta a esta, vem “o grande mundo”, o mundo capitalista, onde não há lugar para poemas ou poetas, para sentimentalismos. Este é constituído por multinacionais que querem produzir nos três continentes, mesmo que a tradição não seja essa. Para estes produtores o importante não é através das suas terras produzir um vinho com características únicas. Aqui deixa de existir o conceito de qualidade que rapidamente é ultrapassado pelo de quantidade. As marcas vão além fronteiras e dependentemente de o vinho ser produzido na América do Sul, na Ásia, nos E.U.A ou na Europa o rótulo será sempre o mesmo. Vinhos que não passam de um resultado plastificado, onde o paladar e aroma são criados em laboratórios e não através da cultura praticada à muitos anos atrás.
Portanto, recomendo o filme a quem ainda tem dúvidas sobre a realidade onde se insere. Não vale a pena distorcê-la porque está mesmo dividida em dois pólos longínquos um do outro.
Eu prefiro o método tradicional onde os valores morais estão acima de tudo, onde a humildade é um facto e onde o resultado final traduz-se em toda a dedicação aplicada a qualquer actividade. Outros com certeza que terão como preferência o lado plastificado, em que a dignidade é uma utopia. Aqui tudo é superficial – Será isso relevante? - A vontade de lutar contra isso já é pouca.
B.M.

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

hehe, vou fazer um comentário... o texto está muito bem escrito e se a ideia era incentivar-nos a ver o filme, acho que pelo menos alguma curiosidade consguiste criar.

1:13 da manhã, maio 18, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Ainda não consegui ir ver o filme, se calhar já nem está em cena...Sabes de alguém que me queira fazer companhia?lol!Ir ao cinema sozinha definitivamente não tem piada...

8:46 da tarde, maio 23, 2005  
Anonymous Anónimo said...

Acabei de ver o Mondovino ah meia-hora.. e uma coisa está certa: o teu texto está muito bem escrito e descreve muito bem os alicerces em que o próprio filme se baseia. Talvez acrescentaria que: para um suposto futuro jornalista, ver o Mondovino com duas comunistas, a fazerem comentários sobre o filme, ao lado é bastante interessante! aconsselharia isso a qualquer um, visto o filme narrar o que narra.. =))
Talvez criticaria o fim do teu texto, quando dizes: «Outros com certeza que terão como preferência o lado plastificado, em que a dignidade é uma utopia.» - não estou a ver ninguém a preferir esse lado usando essas palavras.. e a dignidade, decerto, subsiste igualmente desse lado, de uma forma diferente claro, mas não somos nós, humanos, tão diferentes uns dos outros!? acredito que muitos consigam ser dignos daquilo que fazem nesse lado - Robert Mondavi parece-me ser um bom exemplo disso: digno e "capitalista-globalizador" àquele ponto!! .. Grande texto de um grande documentário!

12:48 da manhã, junho 23, 2005  

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