segunda-feira, julho 24, 2006

Chokmah

É o alheamento total, que poucos conseguem, porque a sociedade não o permite. Torna-se, assim, necessário, para a obter, um afastamento de toda e qualquer possibilidade de influência.

Desmesuramento adequado.

Como é que é possível? É simples: é o cultivar de interesses, ser curioso, sentir a necessidade de descoberta, olhar para uma paisagem qualquer e reflectir. É afastar a inacção.

Será exequível tê-la em todo o seu esplendor? Penso que ja terão existido seres suficientemente afortunados para a terem gozado o mais possível, contudo dou mais valor aqueles que nunca a possuiram por completo, partilhando com outros curiosos a peça do enigma, que têm em seu poder, o que permitirá a criação lenta, no entanto cuidada da resolução dessa instância. Não reconheço como seres benéficos para a humanidade os seres que ja a gozaram e porquê que é assim? É assim porque a verdadeira essência deste conceito nao é passa pela sua posse por inteiro, mas sim de um partilhar de experiências de forma a poder auxiliar a uma evolução do Homem como ser racional que é.

Desta forma, o facto de se ser possuidor desta iluminação acaba por ser uma hipocrisia, na medida em que nunca ninguém partilhou a resolução do enigma. Porque será assim? terá sido por egoísmo ou simplesmente o reconhecimento que todos deverão busca-lo numa demanda solitária? O que é que isto proporciona? Leva-nos a encruzilhada entre a opressão provocada pela sociedade, que, enquanto reprime esta universalidade, tenta simultaneamente substitui-la com outras directivas que levam ao sentido oposto do conceito.

P.S. Não se deixem levar pela sociedade. É esta a minha contribuição para a resolução do enigma.

L.M.

terça-feira, julho 18, 2006

A Palavra

Uma relação entre dois seres humanos distintos mas com um denominador comum: o sofrimento.

É nesta base que assenta “The secret life of words”. Uma base movediça, uma base que oscila entre a alegria genuína e a mais profunda das tristezas.

Toda a acção se desenrola numa plataforma petrolífera. Josef sofre um acidente e perde temporariamente a visão. Uma visão turva, uma visão sofrida, uma visão que levou Josef ao abismo.
Hanna é uma mulher enigmática. Uma enfermeira com uma cara angelical e um olhar perturbador que ficará com a árdua tarefa de tratar Josef.

Aos poucos a relação torna-se especial, cada vez mais especial… E é neste contexto que as palavras se juntam e as histórias pessoais comungam uma com a outra.
Por detrás do mistério de Hanna, refugiada da ex-Jugoslávia, está o trauma da guerra. Uma guerra que lhe levou a melhor amiga. Uma guerra que lhe roubou a audição e a inocência. Uma guerra que a maltratou e lhe deixou marcas profundas.
Na sombra de Josef está a paixão pela mulher do seu melhor amigo. E é nesta paixão que se esconde o grande segredo: afinal, o “acidente” não teve nada de acidental. O estado de Josef é fruto de um passado tortuoso, de enganos e, acima de tudo, da crueldade da verdade.

É na força das palavras, na sua “vida secreta”, que duas histórias de dor acabam por convergir numa única história de amor. Um amor cego disposto a quebrar barreiras e adormecer medos.

Realizado por Isabel Coixet, com desempenhos fantásticos de Tim Robbins e Sarah Polley, “The secret life of Words” guia-nos a um universo onde o amor surge na palavra, vive na palavra e morre nas palavras.

P.R.

sexta-feira, julho 07, 2006

A Deusa Música

Há filmes cujo título reclama o culto, por antecipação.
Não se limitam a pedir, reivindicam-no.
“De Battre Mon Coeur s`est arrêté ” podia ser apenas mais um filme francês com um título giro. Mas é mais, muito mais do que isso.

Thomas Seyr (Romain Duris – Residência Espanhola) é o seu rosto. Emana a figura de um trovão, cujos relâmpagos avinagrados sorriem-nos, de perfil. Não há trovões simpáticos, mas há mais do que trovões em Thomas (Tom).

Nele há sonhos e poesia. Encontramo-los escondidos nas sombras que a morte da mãe pintou na sua respiração, cobrindo-os com a capa de uma vida suja alugada ao pai.
Deste herdou o caminho dos negócios imobiliários, epicentro de uma vida caótica e virulenta, aqui e ali salpicada por gotas melódicas que limpam a lama do seu espelho.

Barulho, doença, Parkinson, musica electrónica, o pai.

Equilíbrio, graça, Yoga, musica clássica, a mãe.

Tom tem 28 anos e quer o que não mostra.
Quer trocar a corrupção por um sonho precoce.
O dinheiro pelo piano.
O Pai terreno pela Mãe que já descansa.
Jogos de pares, batalhas interiores, guerras de vencidos.

Neste filme rasgadamente psíquico, Jacques Audiard fala-nos do papel de cada um nas relações familiares. Atiram-se conceitos pela janela, reformulam-se postulados outrora instalados.

A personagem interpretada por Roman Duris preenche a trama de modo transversal, numa tempestade que lembra o de Niro enraivecido de Scorsese.
A sua actuação incomoda, enerva, desespera o espectador. Sem se aperceber, este passa a ser aquele.
Fisicamente, é nos seus dedos que encontramos a expressão máxima dessa batida cardíaca exasperante, galopando aos soluços rumo à falésia da sua existência. Mas também são aqueles que, regulados por um anestesiante vindo do sol nascente, produzem momentos de uma beleza devastadora na contemplação estética, esqueçamos a auditiva.

Quando a música é comunicação, motor de todas as coisas que precisam de algo que empurre ou trave ou nada.
“De Battre Mon Coeur s`est arrêté” cozinha um caldo atormentado de emoções que palpitam no coração de cada um a uma velocidade tão vertiginosa quanto próxima.

R.C.