sábado, julho 23, 2005

O peso de uma gota

Jean-Baptiste Grenouille é a representação nasal do diabo. Fareja a vida e impregna-se na máquina odorífera que o mundo emana para saciar a sua sede descontrolada, atropelando qualquer obstáculo para se apoderar dos perfumes que o seu faro cardíaco exige.
Mata, ama, destrói e brinca. Grenouille percorre um longo caminho até chegar ao seu troféu, o perfume de uma bela jovem que lhe permitirá reunir o conjunto completo das fragâncias mais requintadas de toda a França. Esse perfume que estimula até ao êxtase a líbido dos seres humanos, levá-lo-á a um patamar estratosférico de adoração, a um (des)controlo doentio do interior de quem o inalar. E tudo isto pelo peso de uma gota. Uma gota que é mais forte que o dinheiro, o poder e os homens. Que não é bebível, que perde o conceito que nasceu agarrado à sua pele, que é a sua pele. Esta gota é comida pela gula insaciável do Homem, o qual nos é apresentado como um animal selvagem, um canibal com pele de cordeiro e olhos de fera que espuma pela boca ao avistar a sua presa. Alguém movido pela pecado e pela carne, que varrerá tudo para satisfazer as suas necessidades. Desprovido de dó, escrúpulos ou misericórdia, de instintos puros e hediondos e espelhando uma inocência cruel. O Perfume, de Patrick Suskind.
R.C.

domingo, julho 17, 2005

7 de Julho 2005 - Londres

Mais uma marca profunda na história da humanidade.

Londres desta vez foi o palco escolhido para mais um atentado de consequências trágicas. Comparando com os atentados do 11 de Setembro e 11 de Março não houve grande alarido à volta deste. É de estranhar, isto porque a história veio a repetir-se. Tivemos explosões, novamente em locais públicos, morreram pessoas, muitos ficaram feridos, já para não esquecer o impacto causado ao resto da população que, sem margem para dúvidas, afectou muito a nível psicológico.
Às vezes penso que é bom sermos o “vecino pobre” dos espanhóis, estarmos na cauda da Europa, sermos os piores em tudo, segundo as estatísticas que nos vão sendo apresentadas pelos media. É desta forma que, por enquanto, não nos toca nada. Esta é a única vantagem que vejo em viver neste país. Dêem-se por contentes!
Admiro a forma como os londrinos reagiram a este atentado. Não sei se reparam, mas quando os jornalistas tentavam falar com uma pessoa, a capacidade de descrever aquilo que tinha visto era real, era possível. Ao contrário do que se passou em Espanha, as pessoas só gritavam, choravam, enfim imagens comoventes. De Londres, foi-nos transmitido um certo tipo de tranquilidade provocada pela coragem, de alguém que se apresenta muito acima de tudo aquilo que lhes possa acontecer.
Outra coisa que me chamou muito a atenção foi o facto de estes terem recebido “formação” de como reagir perante uma situação destas. Os resultados estiveram à vista…
Terrorismo é um conceito ao qual nos temos que habituar, um “filme” que já foi visto algumas vezes e que não desejamos estar inseridos. Mas para isso é preciso encarar a vida tal como ela, vivermos o presente e não termos medo de pôr o pé fora de casa.
Tive a oportunidade de comunicar com um amigo meu que desde sempre viveu em Londres e desta maneira gostava de partilhar convosco o seu testemunho:

“It's a very strange time in London at the moment. We're all going about our business as much as normal as is possible at the moment but at the back of our minds is the same thing. There was a bomb scare in the part of London where I live this morning and everytime I get on a bus or a tube the thought passes through my mind. But we all know that you have to carry on, that life could be taken from you at any moment anyway whether it's at the hands of a terrorist, a drunk driver, a sudden heart attack or whatever and just as you can't go through life terrified of being hit by a bus every time you leave the house neither can you let something like this stop you going about your life in a normal way.
One thing that was great to see was that on Thursday night, the day it happened, the pubs were all absolutely full all across London. People had decided to go to a safe place and enjoy themselves with their friends. Now that's the way to deal with international terrorism”

Sei que no início do texto fui um pouco duro na minha opinião em relação ao nosso país, mas como tem sido um assunto tão debatido no nosso blog, abstendo-me de qualquer pormenor, decidi expressar um pouco o meu desagrado na forma como encaramos certos e determinados assuntos. No entanto, há pouco tempo fiquei a saber que, apesar de sermos a “região pobre” de Espanha, estamos à frente deles em muitas coisas. Mas precisamos sem dúvida de mudar as nossas mentalidades. Não sei se isso depende dos nossos governadores, penso que essa mudança está nas mãos do povo. Em tempos fomos considerados os aventureiros, os descobridores, agora sinto que estamos “fechados” relativamente a muita coisa.
B.M.

segunda-feira, julho 11, 2005

Guerra dos Sonos

Ontem tive a brilhante ideia de acompanhar os meus amigos numa ida ao cinema para ver o novo filme de Steven Spielberg, “Guerra dos Mundos”.
A obra mais recente do realizador norte-americano baseia-se num ataque de forças extraterrestres (o Mal) contra o planeta terra e as forças humanas (o Bem ou EUA, como quiserem). Algures no meio dessa guerra, encontramos um pai (Tom Cruise) que procura proteger os dois filhos, com os quais não tem uma grande ligação, dos ataques alienígenas.
Captei alguns pormenores deliciosos no desenrolar de “Guerra dos Mundos”.

Não só a palavra “terroristas” já entra em filmes com a conotação que se adivinha, como é possível ganhar quantias astronómicas em receitas de bilheteira com um filme que é dividido por uma parte razoável e outra sem absolutamente nada. Para além disto, observei que a humanidade consegue eliminar o contingente alien com 2 ou 3 lança rockets.
Inclusive, a forma como estes foram destruídos faz lembrar-me um pouco a equipa de futebol profissional do Sporting, versão 2004/2005.
Cheios de açúcar a atacar, davam nas vistas e impunham respeito na forma como tomavam conta dos jogos, dominando-os durante a maior parte do tempo regulamentar. O pior acontecia quando a equipa adversária cuspia veneno de volta, apresentando fragilidades (vidro) a defender que roçavam o confrangedor.
Estava eu a pensar nas saídas aos cruzamentos do Ricardo, quando a certa altura dei comigo envolvido numa guerra fraticida entre as minhas pálpebras e tímpanos. As pálpebras anunciavam o fecho das festividades do dia mas, de alguma forma, os tímpanos conseguiam reter o pano aberto, fazendo valer o seu controlo sobre aquelas de modo a que nunca se fechassem. Este conflito deixou-me de tal forma exausto que ao chegar a casa aterrei (literalmente) que nem a torre de Pisa no meu leito a escaldar de verão. Ao acordar doía-me um pouco a cabeça devido à bebedeira de nada que tinha apanhado na noite anterior.
Existem, assim, alguns pormenores interessantes do ponto de vista da ficção, de efeitos especiais e de pormenores mais relacionados com a montagem dos planos de câmara que abonam em favor de Spielberg. Também a mensagem adjacente à forma como a personagem desempenhada por Tom Cruise cresce ao longo do filme é uma característica positiva do mesmo. No entanto, entre deve e o haver, o saldo final é claramente influenciado por uma segunda metade de “Guerras do Mundo” muito pobre e que conclui de um modo decepcionante a todos os títulos.

Para o realizador de “Jurassic Park” ou “Terminal do aeroporto”, fica a constatação de William Shakespeare:
“True is it that we have seen better days…”
R.C.