quinta-feira, setembro 07, 2006

Erasmus da marmita

Três elementos unem esta pequena história: A Residência Espanhola – Erasmus em Leuven – As Bonecas Russas. Ou talvez dois elementos: cinema e experiência pessoal. Ou talvez o mais correcto será dizer que é mesmo um só tema: Erasmus.
Seja como for, tratam-se de três fases. Uma “pré fase”. Uma “fase de vivência”. E um “pós”.

Na “pré fase”, podemos ver a minha pessoa sentada num sofá, sozinho, a ver o filme A Residência Espanhola – que relata o Erasmus de Xavier em Barcelona. Esta pré fase foi posteriormente repetida várias vezes, mudando só o contexto – ou mais pessoas no sofá, ou outro sofá, etc. Tratou-se então da inserção de um pensamento na minha mente: «fazer Erasmus deve ser bem bom». E era assim martelado na minha cabeça cada vez que carregava no Play para ver o filme… Acabou então por se tornar realidade. O que quer dizer que passamos à fase seguinte.

Nessa “fase de vivência”, podemos ver de novo a minha pessoa, igualmente sentada num sofá. Mas num sofá diferente. Preto e do Ikea. Confortável até duas semanas. Era o meu sofá, no meu Erasmus em Leuven. Neste sofá, neste Erasmus, nesta cidade, as vivências foram vividas. Amizades incontroláveis, ensinamentos a dever uma vénia, deambulações sentidas. Um ano que marca em todas as vertentes. Um ano que mais parece uma vida... ou talvez um só dia. Passou rápido, bem como lento. É difícil explicar. Afinal de contas é uma “fase de vivência”. Só ao ser vivida pode ser explicada, ou talvez seja melhor dizer: sentida.
«Alguém: Então como é que foi esse teu ano de Erasmus?»
«Eu: Pois, olha, foi muito bom… Mesmo muito bom (ao mesmo tempo que me pergunto o que dizer, que episódio contar dos milhões que há para contar? … Não vale a pena…)»
«Esse alguém: Mas gostaste?»
«Eu: Muito. Muito mesmo»
Não dá… É uma experiência para ser vivida. Sem clichés. Sem igual. Sem explicações. Fazes dele o que queres, e vives o que tens a viver. E é então que se dá a terceira fase. O “pós”.

Voltas com as ideias todas trocadas. Bem como sentimentos. Mas não interessa. Sentes-te outro. E tão bem que te sentes. Como explicar? Também não vale a pena tentar. Tu sabes. Sentas-te no mesmo sofá da primeira fase, dentro da mesma casa, com o mesmo ambiente, com todos os cantinhos iguais a como conheceste toda a vida. Ligas o leitor de DVD e pões o volume II d’A Residência Espanhola – intitulado As Bonecas Russas – para ver o que sentes ao assistir ao “pós” de Xavier. Talvez aquele que tu sentes. E não é que acabas de ver e pensas: «Não percebo. O filme ou o “pós”? O filme até é bom. É o “pós” do Xavier que não percebo, portanto. Ou talvez a história não seja sobre o seu “pós”.» Mas é… Pois o “pós” não é desilusão nem fantástico. É simplesmente o “pós”. Diferente porque estás diferente. Mas, de resto, será sempre o “pós”.


P.S. – Tanto o título como o texto não reflectem nada de nada… da mesma maneira que Erasmus não é nada, ao mesmo tempo que é tudo. Um pequeno “Mulholland Drive” para o Desvio do Pensamento.

J.A.

terça-feira, setembro 05, 2006

The Fountain of Aronofsky

Dois filmes enquanto estudante [Supermarket Sweep e Protozoa], Pi em 1998, Requiem for a Dream em 2000, alguns anos de uma luta cinematográfica… e a chegada de The Fountain. Darren Aronofsky, um dos mais importantes ícones do cinema independente dos nossos dias, apresenta finalmente o seu último filme no Festival de Cinema de Veneza. Para quem não o conhece, basta indicar duas obras suas: Pi e Requiem for a Dream. É só preciso alugar, inserir no leitor de DVD, aumentar bastante o som, sentar num lugar confortável e ver de rajada as suas duas obras-primas. Peças únicas e originais que iriam provocar os mais incessantes louvores da crítica cinematográfica mundial.

Em Pi, Darren apresenta-nos as psicoses de um homem, Max Cohen (Sean Gulette), que se dedica à matemática. Mais propriamente à sustentação de uma teoria que diz que a partir da fórmula Pi podemos prever a Bolsa, desvendar os segredos da religião judaica ou até provar que o mundo que se apresenta aos nossos olhos é baseado a partir desta fórmula. Um filme cru, psicótico e forte. Desde a excelente montagem ao respeitável trabalho de actores, passando pela banda sonora, história e planos, Pi choca e tem de ser digerido. Darren seria vastamente elogiado.

Em Requiem for a Dream, tudo o que Pi tinha incitado na sua original estrutura cinematográfica, volta para deixar qualquer um boquiaberto. Kronos Quartet juntam-se a Clint Mansell na banda sonora, que decerto se lembram. Todo o conjunto de armas que Darren usou para filmar e editar esta obra, foram posteriormente admiradas e louvadas pela crítica e outros cineastas – planos, montagem, cenários, iluminação, maquilhagem… tudo tem os seus pormenores de fascínio. Já quanto ao trabalho de actores, Ellen Burstyn, Jared Leto e Jennifer Connely brutalizam a cada instante as suas personagens. A história vem do poderoso livro homónimo escrito por Hubert Selby Jr., que se sentou ao lado do realizador para intensificar esta passagem para o mundo do cinema. Divide-se em duas acções que se interligam, que são: as vidas do jovem Harry Goldfarb (Jared Leto), e da sua avó, Sara Goldfarb (Ellen Burstyn). A primeira acção baseia-se num romance entre Harry e uma antiga colega de turma, Marion Silver (Jennifer Connely); no dia-a-dia com o seu melhor amigo; e ainda nas suas “trips” pelo mundo da droga. A segunda acção relata o “sonho de aparecer na televisão” de Sara e as suas “trips” de ecstasy, causadas por uns comprimidos para emagrecer. A junção destas duas acções é explosiva. Um filme de visionamento obrigatório. Fortíssimo e realista, deixando qualquer coração a bater mais rápido depois dos seus 102 minutos.

Com um passado deste tipo, Darren Aronofsky passa então para a realização de um épico de ficção científica, romance e drama. O argumento é escrito pelo realizador e baseia-se na história da busca pela fonte da juventude. Darren apresenta-nos três acções, em três séculos diferentes, onde o mesmo personagem, Thomas (Hugh Jackman), tenta de forma incessante salvar a mulher que ama, Isabel (Rachel Weisz). Como é apresentado no site oficial do filme, «as três histórias convergem numa única verdade, sendo que o Thomas de todos os períodos – o guerreiro, o cientista e o explorador – encontra-se com elementos como a vida, o amor, a morte e a reincarnação». The Fountain estende-se por uns curtos 96 minutos e conta com Rachel Weisz (The Constant Gardener) e Hugh Jackman (Wolverine em X-Men) nos papéis principais. Ellen Burstyn (The Exorcist, Requiem for a Dream), Mark Margolis (Pi, Requiem for a Dream) e Sean Gulette (Pi, Requiem for a Dream) voltam a atacar. E Clint Mansell retorna aos comandos da banda sonora, juntando de forma interessantíssima os americanos Kronos Quartet com os escoceses Mogwai.

Entretanto, as críticas já começam a aparecer – desde as 12 críticas positivíssimas em rottentomatoes.com até à opinião interessante de Vasco Câmara no Público (Seg.04.Set), em que afirma que «seis anos depois de ter nascido como projecto, talvez tenhamos de olhar para The Fountain, a espaços fascinante, quase todo ele danificado, como um requiem por um sonho», como «um trailer de um filme que não chegou a ser feito». Pois The Fountain nasceu como projecto há 6 anos entre Darren Aronofsky e Brad Pitt, mas este último acabaria por desistir. Os fundos foram reduzidos e o projecto abandonado. Foi então vislumbrado numa noite em branco – como o realizador revela numa entrevista a Daniel Robert Epstein – repensado durante duas semanas e concretizado de uma outra forma, mais à moda do cinema independente, de que Darren parecia descolar-se. Uns já lhe chamam o próximo Stanley Kubrick, outros revelam que esta última obra deixou graves feridas do projecto inicial. Seja como for, todos clamam a soberba qualidade dos alicerces cinematográficos apresentados por Darren Aronofsky em The Fountain, bem como os poderosíssimos papéis concretizados por Hugh Jackman e Rachel Weisz.

Fico então à espera que Darren traga a sua fonte para os cinemas portugueses.

J.A.