sexta-feira, março 09, 2007

What the fuck are you doing here with me?


O meu nome é David Locke, mas bem que poderia soar a outra coisa qualquer. Aceitam-se sugestões. Robertson? Seja. A meu favor a benção da semelhança física, uma agenda profissional a respeitar e vários países a conhecer - o que poderá correr mal? O fundo já se encontra ao meu redor, portanto daqui só cova.
Assim preparem os rituais, divirtam-se e esqueçam Locke. Se é para correr a vida atrás de sombras, que seja noutros sapatos. O resto são dias.
E contudo.. ela! Pergunto-me que raio faz ainda aqui comigo...

Profissão: Repórter - Michelangelo Antonioni (Palma d`Ouro no Festival de Cannes, 1975)

R.C

quarta-feira, janeiro 31, 2007

Angola, quem te viu

Novembro de 1975

- Um soldado negro aproximou-se de mim e disse: "Oh branca, o que fazes ainda na minha terra? Vai-te embora senão corto-te aos pedaços!"
Estava assim a guerra civil em Angola, diz a minha avó enquanto olho para um dos muitos quadros "desse tempo" que temos no escritório da nossa casa, em Portimão. É uma fotografia picada sobre Luanda, desnudando a baía magnífica que, pintada pelo oceano atlântico, viu crescer a minha família. Quanta beleza.
Mas se o estético era agradável, a segurança era mais do que útil - prioritária. Foi nesse contexto que a família Coelho teve de se decidir pelo inadiável: Ameaçada pelas balas que a UNITA e o MPLA disparavam pelo país, pegou em alguns haveres (poucos) e fugiu num navio rumo a Portugal. Pensavam eles que poderiam voltar para casa logo que possível, mas a verdade é que desde esse longínquo Novembro que nunca mais puseram os olhos na terra onde nasceram.

Janeiro de 2007

Quando moravam em Luanda, os meus pais viviam sem qualquer tipo de luxos. Pelo menos no conceito que os nossos olhos entendem. Mas para a maioria dos olhos angolanos, eles possuíam um bem que, hoje, percebe-se o quanto tinha de inestimável: água potável.
Hoje, em pleno século XXI, as várias investigações feitas no terreno revelam que mais de metade da população angolana não tem acesso a água potável. Parece mentira mas o facto é que, 3 décadas volvidas, as condições de higiene e saneamento básico da população angolana continuam transversalmente miseráveis e as pessoas morrem (como morriam) vergadas a doenças endémicas como a cólera.
E o que faz o Estado quanto a isto?
Bem, perguntemos ao Senhor-Presidente-Vitalício-Todo-Poderoso José Eduardo Dos Santos - quem melhor para nos satisfazer esta curiosidade!?
Mas, vai daí, talvez o líder do MPLA esteja tranquilamente ocupado em "negociatas" de diamantes e petróleo com americanos e franceses, aproveitando para ir engordado no "Miami Beach" (nome sensacional para o seu restaurante em Luanda) e alimentando o seu polvo aterrado desde 1979 no centro da capital. Cidade-mentira, esta, que engole o sofrimento das favelas periféricas e do resto de um país que parou no tempo às mãos de um poder corrupto.

Num país tão rico em recurso naturais e com uma das economias mais frágeis do mundo, pouco mais há a dizer. Quanto à minha família, vai-se deleitando com memórias e quadros de um tempo que já não volta para o que era bom, e que cristalizou no que era mau.
É o drama de Angola.

R.C

terça-feira, janeiro 09, 2007

os melhores filmes de 2006

3 meses de silêncio.

Sem nenhum de nós perceber muito bem porquê, há cerca de 3 meses que foi escrito o último texto neste blog. Porquê, interrogo-me.
Talvez estivessemos todos muito ocupados com o "fazer nenhum" que o verão sugere. Talvez o recomeço das aulas nos tenha varrido de tal forma o tempo que ninguém tivesse disposição para vir aqui escrever. Talvez o blog não estivesse a corresponder às expectativas que cada um de nós criou sobre ele. Talvez.
Pois bem, ano novo - vida nova. Abanemos este vegetal - sem vida própria desde Setembro passado.
O ano cinéfilo de 2005 foi atípico. Após um ano de pura viragem para dentro (por exemplo nos óscares de Hollwood), 2006 foi marcado pelo ressurgimento em força dos blockbusters em detrimento do cinema de autor. E vocês, consideram que este ano cinéfilo correspondeu às vossas expectativas? Ou não ficaram preenchidos com a oferta?
Na vossa opinião, quais os melhores filmes do ano que terminou recentemente?
Proponho que cada um faça uma lista com os 10 melhores filmes que tenha visto em 2006, de forma a termos aqui um tribunal cinematográfico que nos leve a algumas conclusões.

p.s - Esqueçam os filmes que entraram nas contas da edição passada dos óscares de Hollywood. Embora alguns tenham estreado em 2006, façam pontaria apenas para os que irão entrar nas contas da edição deste ano, dos Globos de Ouro e que já figuraram, por exemplo, no festival de Cannes.
Eis a minha visão da coisa:

1 - Inflitrado, Spike Lee
2 - The Wind that Shakes the Barley, Ken Loach
3 - O Tigre e a Neve, Roberto Benigni
4 - Paris je t`aime, 20 realizadores
5 - Dans Paris, Cristophe Honoré
6 - Carros, John Lasseter
7 - Maria Madalena, Abel Ferrara
8 - The Departed, Martin Scorsese
9 - O Perfume, Tom Tykwer
10 – Babel, Alejandro Gonzáles Iñarritu
A todos um bom natal.
R.C

quinta-feira, setembro 07, 2006

Erasmus da marmita

Três elementos unem esta pequena história: A Residência Espanhola – Erasmus em Leuven – As Bonecas Russas. Ou talvez dois elementos: cinema e experiência pessoal. Ou talvez o mais correcto será dizer que é mesmo um só tema: Erasmus.
Seja como for, tratam-se de três fases. Uma “pré fase”. Uma “fase de vivência”. E um “pós”.

Na “pré fase”, podemos ver a minha pessoa sentada num sofá, sozinho, a ver o filme A Residência Espanhola – que relata o Erasmus de Xavier em Barcelona. Esta pré fase foi posteriormente repetida várias vezes, mudando só o contexto – ou mais pessoas no sofá, ou outro sofá, etc. Tratou-se então da inserção de um pensamento na minha mente: «fazer Erasmus deve ser bem bom». E era assim martelado na minha cabeça cada vez que carregava no Play para ver o filme… Acabou então por se tornar realidade. O que quer dizer que passamos à fase seguinte.

Nessa “fase de vivência”, podemos ver de novo a minha pessoa, igualmente sentada num sofá. Mas num sofá diferente. Preto e do Ikea. Confortável até duas semanas. Era o meu sofá, no meu Erasmus em Leuven. Neste sofá, neste Erasmus, nesta cidade, as vivências foram vividas. Amizades incontroláveis, ensinamentos a dever uma vénia, deambulações sentidas. Um ano que marca em todas as vertentes. Um ano que mais parece uma vida... ou talvez um só dia. Passou rápido, bem como lento. É difícil explicar. Afinal de contas é uma “fase de vivência”. Só ao ser vivida pode ser explicada, ou talvez seja melhor dizer: sentida.
«Alguém: Então como é que foi esse teu ano de Erasmus?»
«Eu: Pois, olha, foi muito bom… Mesmo muito bom (ao mesmo tempo que me pergunto o que dizer, que episódio contar dos milhões que há para contar? … Não vale a pena…)»
«Esse alguém: Mas gostaste?»
«Eu: Muito. Muito mesmo»
Não dá… É uma experiência para ser vivida. Sem clichés. Sem igual. Sem explicações. Fazes dele o que queres, e vives o que tens a viver. E é então que se dá a terceira fase. O “pós”.

Voltas com as ideias todas trocadas. Bem como sentimentos. Mas não interessa. Sentes-te outro. E tão bem que te sentes. Como explicar? Também não vale a pena tentar. Tu sabes. Sentas-te no mesmo sofá da primeira fase, dentro da mesma casa, com o mesmo ambiente, com todos os cantinhos iguais a como conheceste toda a vida. Ligas o leitor de DVD e pões o volume II d’A Residência Espanhola – intitulado As Bonecas Russas – para ver o que sentes ao assistir ao “pós” de Xavier. Talvez aquele que tu sentes. E não é que acabas de ver e pensas: «Não percebo. O filme ou o “pós”? O filme até é bom. É o “pós” do Xavier que não percebo, portanto. Ou talvez a história não seja sobre o seu “pós”.» Mas é… Pois o “pós” não é desilusão nem fantástico. É simplesmente o “pós”. Diferente porque estás diferente. Mas, de resto, será sempre o “pós”.


P.S. – Tanto o título como o texto não reflectem nada de nada… da mesma maneira que Erasmus não é nada, ao mesmo tempo que é tudo. Um pequeno “Mulholland Drive” para o Desvio do Pensamento.

J.A.

terça-feira, setembro 05, 2006

The Fountain of Aronofsky

Dois filmes enquanto estudante [Supermarket Sweep e Protozoa], Pi em 1998, Requiem for a Dream em 2000, alguns anos de uma luta cinematográfica… e a chegada de The Fountain. Darren Aronofsky, um dos mais importantes ícones do cinema independente dos nossos dias, apresenta finalmente o seu último filme no Festival de Cinema de Veneza. Para quem não o conhece, basta indicar duas obras suas: Pi e Requiem for a Dream. É só preciso alugar, inserir no leitor de DVD, aumentar bastante o som, sentar num lugar confortável e ver de rajada as suas duas obras-primas. Peças únicas e originais que iriam provocar os mais incessantes louvores da crítica cinematográfica mundial.

Em Pi, Darren apresenta-nos as psicoses de um homem, Max Cohen (Sean Gulette), que se dedica à matemática. Mais propriamente à sustentação de uma teoria que diz que a partir da fórmula Pi podemos prever a Bolsa, desvendar os segredos da religião judaica ou até provar que o mundo que se apresenta aos nossos olhos é baseado a partir desta fórmula. Um filme cru, psicótico e forte. Desde a excelente montagem ao respeitável trabalho de actores, passando pela banda sonora, história e planos, Pi choca e tem de ser digerido. Darren seria vastamente elogiado.

Em Requiem for a Dream, tudo o que Pi tinha incitado na sua original estrutura cinematográfica, volta para deixar qualquer um boquiaberto. Kronos Quartet juntam-se a Clint Mansell na banda sonora, que decerto se lembram. Todo o conjunto de armas que Darren usou para filmar e editar esta obra, foram posteriormente admiradas e louvadas pela crítica e outros cineastas – planos, montagem, cenários, iluminação, maquilhagem… tudo tem os seus pormenores de fascínio. Já quanto ao trabalho de actores, Ellen Burstyn, Jared Leto e Jennifer Connely brutalizam a cada instante as suas personagens. A história vem do poderoso livro homónimo escrito por Hubert Selby Jr., que se sentou ao lado do realizador para intensificar esta passagem para o mundo do cinema. Divide-se em duas acções que se interligam, que são: as vidas do jovem Harry Goldfarb (Jared Leto), e da sua avó, Sara Goldfarb (Ellen Burstyn). A primeira acção baseia-se num romance entre Harry e uma antiga colega de turma, Marion Silver (Jennifer Connely); no dia-a-dia com o seu melhor amigo; e ainda nas suas “trips” pelo mundo da droga. A segunda acção relata o “sonho de aparecer na televisão” de Sara e as suas “trips” de ecstasy, causadas por uns comprimidos para emagrecer. A junção destas duas acções é explosiva. Um filme de visionamento obrigatório. Fortíssimo e realista, deixando qualquer coração a bater mais rápido depois dos seus 102 minutos.

Com um passado deste tipo, Darren Aronofsky passa então para a realização de um épico de ficção científica, romance e drama. O argumento é escrito pelo realizador e baseia-se na história da busca pela fonte da juventude. Darren apresenta-nos três acções, em três séculos diferentes, onde o mesmo personagem, Thomas (Hugh Jackman), tenta de forma incessante salvar a mulher que ama, Isabel (Rachel Weisz). Como é apresentado no site oficial do filme, «as três histórias convergem numa única verdade, sendo que o Thomas de todos os períodos – o guerreiro, o cientista e o explorador – encontra-se com elementos como a vida, o amor, a morte e a reincarnação». The Fountain estende-se por uns curtos 96 minutos e conta com Rachel Weisz (The Constant Gardener) e Hugh Jackman (Wolverine em X-Men) nos papéis principais. Ellen Burstyn (The Exorcist, Requiem for a Dream), Mark Margolis (Pi, Requiem for a Dream) e Sean Gulette (Pi, Requiem for a Dream) voltam a atacar. E Clint Mansell retorna aos comandos da banda sonora, juntando de forma interessantíssima os americanos Kronos Quartet com os escoceses Mogwai.

Entretanto, as críticas já começam a aparecer – desde as 12 críticas positivíssimas em rottentomatoes.com até à opinião interessante de Vasco Câmara no Público (Seg.04.Set), em que afirma que «seis anos depois de ter nascido como projecto, talvez tenhamos de olhar para The Fountain, a espaços fascinante, quase todo ele danificado, como um requiem por um sonho», como «um trailer de um filme que não chegou a ser feito». Pois The Fountain nasceu como projecto há 6 anos entre Darren Aronofsky e Brad Pitt, mas este último acabaria por desistir. Os fundos foram reduzidos e o projecto abandonado. Foi então vislumbrado numa noite em branco – como o realizador revela numa entrevista a Daniel Robert Epstein – repensado durante duas semanas e concretizado de uma outra forma, mais à moda do cinema independente, de que Darren parecia descolar-se. Uns já lhe chamam o próximo Stanley Kubrick, outros revelam que esta última obra deixou graves feridas do projecto inicial. Seja como for, todos clamam a soberba qualidade dos alicerces cinematográficos apresentados por Darren Aronofsky em The Fountain, bem como os poderosíssimos papéis concretizados por Hugh Jackman e Rachel Weisz.

Fico então à espera que Darren traga a sua fonte para os cinemas portugueses.

J.A.

segunda-feira, julho 24, 2006

Chokmah

É o alheamento total, que poucos conseguem, porque a sociedade não o permite. Torna-se, assim, necessário, para a obter, um afastamento de toda e qualquer possibilidade de influência.

Desmesuramento adequado.

Como é que é possível? É simples: é o cultivar de interesses, ser curioso, sentir a necessidade de descoberta, olhar para uma paisagem qualquer e reflectir. É afastar a inacção.

Será exequível tê-la em todo o seu esplendor? Penso que ja terão existido seres suficientemente afortunados para a terem gozado o mais possível, contudo dou mais valor aqueles que nunca a possuiram por completo, partilhando com outros curiosos a peça do enigma, que têm em seu poder, o que permitirá a criação lenta, no entanto cuidada da resolução dessa instância. Não reconheço como seres benéficos para a humanidade os seres que ja a gozaram e porquê que é assim? É assim porque a verdadeira essência deste conceito nao é passa pela sua posse por inteiro, mas sim de um partilhar de experiências de forma a poder auxiliar a uma evolução do Homem como ser racional que é.

Desta forma, o facto de se ser possuidor desta iluminação acaba por ser uma hipocrisia, na medida em que nunca ninguém partilhou a resolução do enigma. Porque será assim? terá sido por egoísmo ou simplesmente o reconhecimento que todos deverão busca-lo numa demanda solitária? O que é que isto proporciona? Leva-nos a encruzilhada entre a opressão provocada pela sociedade, que, enquanto reprime esta universalidade, tenta simultaneamente substitui-la com outras directivas que levam ao sentido oposto do conceito.

P.S. Não se deixem levar pela sociedade. É esta a minha contribuição para a resolução do enigma.

L.M.

terça-feira, julho 18, 2006

A Palavra

Uma relação entre dois seres humanos distintos mas com um denominador comum: o sofrimento.

É nesta base que assenta “The secret life of words”. Uma base movediça, uma base que oscila entre a alegria genuína e a mais profunda das tristezas.

Toda a acção se desenrola numa plataforma petrolífera. Josef sofre um acidente e perde temporariamente a visão. Uma visão turva, uma visão sofrida, uma visão que levou Josef ao abismo.
Hanna é uma mulher enigmática. Uma enfermeira com uma cara angelical e um olhar perturbador que ficará com a árdua tarefa de tratar Josef.

Aos poucos a relação torna-se especial, cada vez mais especial… E é neste contexto que as palavras se juntam e as histórias pessoais comungam uma com a outra.
Por detrás do mistério de Hanna, refugiada da ex-Jugoslávia, está o trauma da guerra. Uma guerra que lhe levou a melhor amiga. Uma guerra que lhe roubou a audição e a inocência. Uma guerra que a maltratou e lhe deixou marcas profundas.
Na sombra de Josef está a paixão pela mulher do seu melhor amigo. E é nesta paixão que se esconde o grande segredo: afinal, o “acidente” não teve nada de acidental. O estado de Josef é fruto de um passado tortuoso, de enganos e, acima de tudo, da crueldade da verdade.

É na força das palavras, na sua “vida secreta”, que duas histórias de dor acabam por convergir numa única história de amor. Um amor cego disposto a quebrar barreiras e adormecer medos.

Realizado por Isabel Coixet, com desempenhos fantásticos de Tim Robbins e Sarah Polley, “The secret life of Words” guia-nos a um universo onde o amor surge na palavra, vive na palavra e morre nas palavras.

P.R.

sexta-feira, julho 07, 2006

A Deusa Música

Há filmes cujo título reclama o culto, por antecipação.
Não se limitam a pedir, reivindicam-no.
“De Battre Mon Coeur s`est arrêté ” podia ser apenas mais um filme francês com um título giro. Mas é mais, muito mais do que isso.

Thomas Seyr (Romain Duris – Residência Espanhola) é o seu rosto. Emana a figura de um trovão, cujos relâmpagos avinagrados sorriem-nos, de perfil. Não há trovões simpáticos, mas há mais do que trovões em Thomas (Tom).

Nele há sonhos e poesia. Encontramo-los escondidos nas sombras que a morte da mãe pintou na sua respiração, cobrindo-os com a capa de uma vida suja alugada ao pai.
Deste herdou o caminho dos negócios imobiliários, epicentro de uma vida caótica e virulenta, aqui e ali salpicada por gotas melódicas que limpam a lama do seu espelho.

Barulho, doença, Parkinson, musica electrónica, o pai.

Equilíbrio, graça, Yoga, musica clássica, a mãe.

Tom tem 28 anos e quer o que não mostra.
Quer trocar a corrupção por um sonho precoce.
O dinheiro pelo piano.
O Pai terreno pela Mãe que já descansa.
Jogos de pares, batalhas interiores, guerras de vencidos.

Neste filme rasgadamente psíquico, Jacques Audiard fala-nos do papel de cada um nas relações familiares. Atiram-se conceitos pela janela, reformulam-se postulados outrora instalados.

A personagem interpretada por Roman Duris preenche a trama de modo transversal, numa tempestade que lembra o de Niro enraivecido de Scorsese.
A sua actuação incomoda, enerva, desespera o espectador. Sem se aperceber, este passa a ser aquele.
Fisicamente, é nos seus dedos que encontramos a expressão máxima dessa batida cardíaca exasperante, galopando aos soluços rumo à falésia da sua existência. Mas também são aqueles que, regulados por um anestesiante vindo do sol nascente, produzem momentos de uma beleza devastadora na contemplação estética, esqueçamos a auditiva.

Quando a música é comunicação, motor de todas as coisas que precisam de algo que empurre ou trave ou nada.
“De Battre Mon Coeur s`est arrêté” cozinha um caldo atormentado de emoções que palpitam no coração de cada um a uma velocidade tão vertiginosa quanto próxima.

R.C.

domingo, junho 25, 2006

Pequeno Auto-retrato Num Desabafo Inutil

Quero pintar isto da melhor forma possível. Eu não preciso de ninguém. Eu preciso de alguém. Confuso? Talvez, mas nem tanto. Sou o maior filho da puta, o maior cabrão à face da terra. Sabem que mais? A verdade é que se eu não fosse um gajo tão sozinho, talvez ainda fosse mais sacana do que sou agora.
Sou uma besta. Nego o amor que existe em mim, viro-lhe as costas e desato a correr. Isto de se ser sozinho tem muito que se lhe diga. Congela-nos os pensamentos, corrói-nos o coração e cria-nos esquecimento onde deveria haver lembrança.
Quero ser aquele que está sempre bem, quero ser o que está sempre pronto para outra, mas ao fim de alguns anos, a coisa começa a cansar. Conheci tanta gente diferente, de tão diferentes meios, de ideologias opostas, de modos de vida tão contrários ao meu, e o resultado de todas essas experiencias é aquilo que eu sempre ambicionei: a solidão. Meus caros, estou farto, cansado e enjoado de ser sozinho. A solidão repugna-me.
Isto de eu ser assim, não é só burrice, é genético. Está-me no sangue o vírus da depressão. Há que usar protecção contra estas coisas.
O mal de tudo isto é que quando se quer falar com alguém, nada nos resta para além destes textos insignificantes que um homem vai escrevendo para combater a tristeza e a melancolia. A vida é muito chata na solidão. A solidão é enfadonha quando é a nossa vida. São as duas a mesma coisa, não é? Pois, é isso mesmo, a solidão é sempre a mesma coisa. Um dia hei-de experimentar a felicidade.
E quando eu descobrir o segredo
Da neblina cinzenta
Que torna a água barrenta
E sem perdão me esmaga o peito
E quando se levanta de repente
A névoa que cobre o rio
Que gela tudo de frio
E escurece a corrente
Longa se torna a espera
Na névoa que cobre o rio
Lenta vem a galera
Na noite quieta de frio
E quando...
E quando eu apanhar finalmente
O barco para a outra margem
Outra que finde a viagem
Onde se espere por mim
Terei, terei mais uma vez força
Para enfrentar tudo de novo
Como a galinha e o ovo
Num repetir de desgraças
Tim, "Longa Se Torna A Espera"
F.A.R.

quinta-feira, junho 22, 2006

Conflito Interior

A custumização,
Problematização da situação...
Compreenderão?
Penso que não.
Estarei a alucinar...
Não me consigo descomplexar.
Sinto-me enclausurado,
Sem refúgio.
Estarei perdido?
Preciso de rumo...
Onde o procuro?
As palavras escorregam pela caneta,
Intrometem-se na tinta
E transformam-se...
Produzem algo...
Será isto meu?
Serei eu?

L.M.

segunda-feira, junho 12, 2006

Rita

Procurei-te em todo o lado e em todo o lado te encontrei. Nas árvores, nas flores, nas ruas e avenidas, no rio. Andei como quem não queria chegar a lado algum. Desesperei.
Queria fugir de ti. Tentei distrair-me olhando para as mulheres que passavam por mim, mas todas tinham os teus lábios, a tua boca, o teu rosto.
A cidade perde a sua vida sem ti. Os carros chocam, as flores murcham, os jardins morrem.
A intensidade dos momentos do passado, desvaneceu-se com o vento. Agora nada resta em mim senão uma leve recordação dos tempos em que eras minha...e eu era teu.


“Foge comigo na última volta da maratona, nada comigo num lago indeciso de metadona. Já deixei as asas na cave da casa e as chaves no fundo do mar: com um pouco de sexo, ou muito poesia, ainda nos vamos casar.”
J.P.Simões
“Nada é irremediável.”
F.A.R.

sexta-feira, junho 09, 2006

Das Cinzas

Continuas a ser única. A única. Apesar de tudo.
Pensa o que quiseres, já nada sinto. Bem sei que achas que não cresci, que não evoluí e que continuo o mesmo menino perdido e carente de sempre. Até pode ser verdade, todavia, há também outra verdade.
Inspiras-me. O teu rosto inspira-me. Os teus gestos calmos, suaves e sábios atraem-me. Escrevo este texto porque estive contigo há momentos. É sempre nobre ser o motivo para um novo conjunto de palavras, não achas? Mesmo que sejam estas palavras gastas e cansadas, mas qua são minhas. E são para ti.
Nunca me refiz do nosso amor. Foi há dez anos. Este amor é como um perfume intenso que custa a passar. Está grudado nas minhas roupas, no meu corpo e no meu coração.Estás em mim.
Sei que tens outra pessoa e que estás bem. Não suporto que estejas bem, sobretudo, porque estás bem com outra pessoa. Aliás, nem sei qual das duas será a pior. Até estás muito melhor do que quando estavas comigo, confesso. Acho que já me habituei a estes sentimentos. Ao longo destes anos lá tive que me acostumar a ver-te com outros. A ver-te a amá-los. Eu também amei outras pessoas, é certo, mas foi sempre com aquela sensação estranha de te estar a trair a ti. E no fim nada restava. Só tu.
O nosso amor nunca acabou. Eu é que acabei com ele. Quando quis voltar atrás, já era tarde. Já tinhas ido embora.
Adorava quando me tocavas a Rainbirds do Tom Waits ao piano. É uma das mais lindissímas músicas de sempre, não achas? Tu sempre discordaste...
Hoje passas por mim indiferente e com aquele ar altivo que quase te odeio tanto como te amo. Se estes anos serviram para alguma coisa, foi para isto: para assumir a culpa. E por saber que nunca mais te vou ter, é que te escrevo esta carta, por ter a certeza de que eu morrerei com os remorsos, mas que tu, um dia, hás-de morrer com a plena consciência de que foste tu que me mataste!
"Love is blindness
I dont want to see
Won't you wrap the night
Around me
Take my heart
Love is blindness"
F.A.R.

quarta-feira, maio 31, 2006

O teatro dentro de ti

O medo é um actor. Esconde-se.
As palavras? Filhas desse actor.
Atiramo-las à nossa frente porque temos medo do escuro.
Seguimo-las para que reconheçam o percurso que ignoramos. E elas tropeçam e caem e lutam para que cheguem onde nos esperam. Em paz.
Pua chata ou mel auditivo, acabam por vencer. Na maioria das vezes, num braço de ferro doentio que rompe o namoro com o tempo. Um jogo praticado na distância em que a saudade chora e os seus lamentos esbarram no eco do nada.
O amor? Por detrás das palavras, em luta contra o medo. Debaixo dos conceitos e por dentro do pó que as gerações sacodem. Algures entre o fim e o depois, onde somos felizes por nada fazer sentido. Porque sim.
O medo? Frio, frio.. morre.
Deixa o calor atropelar-te nas noites em que as pedras de calçada anseiam por pisar-te, por cuspir-te. As pedras de calçada são dor e aguentam.
Nós também a conhecemos e, como aquelas, aguentamos.
E depois de aguentarmos, corremos. Corremos tudo até pararmos numa baliza empedrada onde derrubamos o medo que cai prostrado, pisado e cuspido.
Ei-lo só, como ele é por definição.

R.C.

quinta-feira, maio 25, 2006

Um Puzzle Para Reflexão Interior.

O vento é reduzido ao mínimo.
O dever provém do amor.
A droga floresce.
A individualidade sopra forte.
Os direitos humanos tornam-se impávidos e auto - destruidores.
A chuva fez o Homem evoluir.
O mal é alvo de preconceitos.
A amizade raramente é cumprida.
A politica provoca alegria a outrem.
A ciência é progressiva e arrebatadora.
O fogo suicida-se.
O amor inunda cidades.
O ódio deve ser salvaguardado.
A arte é violada constantemente.
O bem destrói sociedades.
A terra é um valor moral.
As pessoas queimam tudo o que conseguem.
A sociedade tem de ser apreciada.

L.M.

sexta-feira, maio 19, 2006

Eufemismos

O Nelas é o conceito.
Tem 24 anos e respira os mesmos 12 que o seu amigo Hugo. É letrado no darwinismo, conhece a evolução das espécies e procura combater a selecção natural. Vai daí, aproveita os momentos em que não está a palrear “espanelês” para salvar pássaros azuis indefesos de ataques ferozes por parte dos mais aptos.
Em seguida, tem por hábito desatar a correr à frente dos seus inimigos voadores enquanto grita “Cá-te já, cá-te já!!”. Dentro do seu carro nunca ouvirá nenhuma musica até ao fim e, se há coisa que lhe motiva (fora isso que vocês estão a pensar), é fazer um download do seu saco urinário e projectá-lo contra o vento. De preferência, na popa monchiqueira que pica o Algarve.

Falei do Hugo? Pois, o Hugo é o nosso cartão de visita perfumado.
Coimbra é a cidade do conhecimento, entre outras coisas, devido a uma facção das suas casas de banho ter ficado a conhecer o sempre refrescante vapor de vida que as entranhas do nosso huguinho costumam disparar.
Falamos de um al pacino neo-marroquino, alguém com postura de conversa séria às sextas à noite (sobre política) e que presume-se gostar bastante de espinafres e de raparigas que escavam ouro.

O Marcos costuma assistir a estas sonatas emerdadas com um conformismo liberal.
O seu sonho de infância é aproximar-se do Hugo e dizer-lhe “i will try to fix you!”. Contudo, o máximo que consegue é auto-esborrachar-se com um sorriso “yellow” que lhe relembre “pequenos momentos e repetições bonitas”. E é mau...

O Peixinho passou a fronteira. Já é pai de 2 ciclídeos e o mais engraçado é que ambos tratam-se por “nuestros hermanos”. Não é bonito?
Todavia, não são os deveres naturais de um peixe de família que vão impedir o nosso escamado amigo de se divertir. Antes pelo contrário, até porque desconfio que neste momento o papá Telmo (quem?) deve estar a jogar póker com o Miguel (Miguelinho AC) e o Hugo Viana (“lagarto”). Isto enquanto a sua txiquitita prepara um balde de tremoços que acompanhe a cervejinha que tanto abunda no seu aquário de mel. Mélito como diria o Alex!

Alex? Este tem uma unha espanhola.
Se pudesse, o berbiganito viajava de clio até ao camping com o tropix na cabeça, para de seguida tele-transportar-se juntamente com o Serrão para El Terrón. Uma vez lá, pediria esmola (esmolita) a algum espanhol para comprar uma mini. A ver se saía perfeita.
Gosta de deitar-se em pavimentos públicos e tem por hábito hibernar com o queixo virado para estrelas já de si meio enoevoadas, daquelas que não param quietas.
Lambada.

O Alentas está quase a chumbar a géneros por faltas. E, por falar nisso, receio que também esteja no limiar de pisar um bolo mal cheiroso numa qualquer rua alfacinha. E já que falamos em cordas bambas, o que dizer do teste de redes que, imaginem, quase lhe correu mal!
Quando é interpelado no sentido de afirmar quais os filmes que menos lhe tocam, responde com geografia e olha para a Baviera alemã. No sentido inversamente proporcional, o nosso companheiro costuma responder. “Oh tu, eh! Anda aqui! Closer!”

O Tarugo é um fantasista a gramática. Joga bonito (BUNITO?), usa com perícia as vírgulas e costuma deslocar-se a Viena para ir às compras.
Entre os produtos regularmente adquiridos nestas viagens a território austríaco, costumam contar-se vários pares de virilhas enlatadas. Marca registada “Arnold Lombos”.

David Barata traz o pão pela manhã aos nossos tímpanos desportivos. A sua veia José Mário
é indisfarçável e espera-se que o sonho o encarrilhe rumo à mancha britânica.
Um conselho, Barata: quando lá chegares tens de ter uma postura Cole, porque se te Robben é uma Drogba!

O Filipe e o Luís têm uma coisa em comum. Para além de AMAREM o Robert e o Marco Ferreira, não cortam o cabelo há aproximadamente 27 anos. Correm notícias de que o primeiro poderá ter desbastado hoje mesmo o seu poço al-sansão de criatividade literária. O Bowie vendeu o mundo mas.. o teu cabelo Filipe, o teu esfreg-cabelo!

E assim termino o meu repasto literário numa noite em que o conceito “olheiras” reforça o seu novo significado. É recente, tem 6 meses.

Olh = eslovenos; eiras = da merda que não se calam um minuto e ainda por cima tresandam a brandymel. Mel?
Um abraço johny!

R.C

terça-feira, maio 09, 2006

Porquê?

Como é que possível doer?
Porquê?
Que dor é esta que me avassala, que me tenta destruir?
Sinto a pressão da vida a remoer-me as vísceras
De uma forma horrenda e devastadora...
Porquê?
O que se passa comigo?
O que é isto?!
Esta sensação de responsabilidade e desmotivação, que eu repudío,
que sinto a sugar-me todas as gotas de liberdade que tenho em mim..
Que me diminui e me faz sentir pequeno
Perante a imensidão do mundo
E da destruição que este nos trás...
PORQUÊ?
Qual a razão disto tudo me acontecer a mim?
Sinto-me como uma formiga a vaguear pela cidade
A tentar fugir por entre os passos das pessoas inertes e ignóbeis
A escapar à morte como se de nada mais se tratasse na vida dela..
A tentar sobreviver...!
A procurar um meio de fugir deste buraco negro que me tenta asfixiar
E não me deixa percorrer o caminho que quero...
Quero fugir e estou enclausurado num emaranhado de armadilhas mortais
Qual é o interesse?
Porquê que me querem tirar todas estas sensações, que me fazem ser eu?
Que me fazem sentir o ar puro pela leveza da manhã,
Ou o travo de um de shot de Tequilla em plena bebedeira monumental...
O sofrimento em mim acumula-se ao ponto de querer explodir
E libertar-me desta ruína que é a vida,
Que só tem o intuito de nos destruir,
De nos fazer ser o que não somos!
PORQUÊ?
L.M.

domingo, maio 07, 2006

Mais 10.000 dias de prazer

Um dos projectos mais criativos e originais que alguma vez conheci na minha vida. Os Tool estão de volta para demonstrar o peso certo da música pesada. 10.000 Days (2006) é o último trabalho deste quarteto californiano que, mais uma vez, nos apresenta um som puro, limpo, único, harmonioso, pesado e perturbante.

Os Tool formaram-se em 1990 em plena “cidade dos anjos”, Califórnia. Em 1992, lançavam o seu primeiro trabalho – o EP Opiate. Um álbum demonstrativo do “metal cerebral” por onde este projecto se iria iniciar. Logo no ano seguinte, Undertow (1993) viria a definir o som dos Tool num território só deles. Um espaço em que mais nenhuma banda alguma vez tinha estado e que, a meu ver, mais nenhuma esteve até hoje. Uma mistura de influências como Pink Floyd, King Crimson, Led Zeppelin ou Yes, transportadas para um tipo de metal marcadamente dos anos 90. Maynard James Keenan, Danny Carey, Justin Chancellor e Adam Jones abririam então caminho para um som específico e ímpar, com uma originalidade intocável, na obra-prima constituída pelo álbum Ænima (1996). Uma sequência de 15 faixas que flúi de uma maneira demasiado singular e perfeita. Cada faixa assemelha-se a uma tragédia clássica, com andamentos progressivos altamente bem construídos e clímaxes poderosíssimos. Este seria sem dúvida o ponto alto da banda. Seja como for, os Tool voltaram a não desiludir com Lateralus (2001). Uma evolução perfeita no som que construiriam neste álbum. Sente-se já uma bateria definidíssima por parte de Danny Carey – talvez um dos 3 melhores bateristas de sempre, ao lado de John Bonham dos Led Zeppelin e Dave Lombardo dos Slayer e Fantômas. Contratempos quase impossíveis que este senhor constrói, acompanhando a voz especial e muito bem trabalhada de Maynard James Keenan; o baixo cada vez mais elaborado de Justin Chancellor; e a guitarra psicadélica e ambiente de Adam Jones.

Como som final, de conjunto, de banda, os Tool apresentaram sempre uma coesão excelente. Talvez muitas vezes a fazer esquecer o trabalho de cada um deles para cada música composta, o que a meu ver é dos conceitos mais importantes a suster num projecto musical de uma banda.

Depois de espectaculares vídeo-clips produzidos pelo guitarrista, Adam Jones, DVD’s, edições especiais e todo o tipo de gravações rascas, ao vivo, etc. os Tool voltam a surpreender e a oferecer de novo aos seus fãs um arrepio na espinha, com o novo álbum 10,000 Days. Mais uma vez, um som puro e limpo; excelente composição e originalidade; perfeita execução; e uma muito boa produção e masterização. 10,000 Days vem assim, na minha opinião, destronar qualquer tipo de projecto que se digne na chamada música pesada, metal ou progressiva.

E assim, de uma coerência excepcional, lá vão continuando os Tool a surpreender...

J.A.

sábado, maio 06, 2006

Uma Noite de quase Verão...

Estavamos a fazer o chamado zapping radiofónico e porquê? Porque o meu carro o que tem mais é cd’s riscados, por maus tratos e sobretudo por falta de consciência da minha parte. O tal zapping levou à nossa audição da frase: “O povo está optimista...” óbvio que nao ouvimos o que sucedeu a esta frase, contudo começamos a divagar de forma compulsiva e determinista. Eu cá para os meus botões comecei a pensar: “Ganhar a lotaria é que era” no entando reparei que também o disse e não o pensei apenas, com esta deixa o meu companheiro desta vicissitude psicotrópica rapidamente sustentou afirmando que deviamos era jogar no Euromilhões e assim ficavamos tranquilizados durante uns bons anos, isso é que era optimismo! Não o estado caótico no qual vivemos!

No entanto a conversa, vulgo anhadela, prosseguiu de forma alucinante, e entrando no mundo das apostas qual o melhor a escolher? Uma ida ao casino obviamente, mas de forma segura, apenas com 25 euros e se ganhassemos alguma coisa tudo bem, se perdessemos tudo bem na mesma! Cá está de volta o optimismo redundante.. Divagámos um bocado a pensar nos viciados em apostas e como é que é possível que isso aconteça ainda hoje em dia, pessoas enterrarem-se em dívidas de forma absurda e completamente mafiosa sem terem a noção de que estão a destruir-se a eles próprios e às próprias familias também!

Prosseguindo com a conversa, chegamos à conclusao que o país está uma bela porcaria, para não dizer um palavrão que seria certamente o mais adequado, e por isso toca-nos a nós fuma-las de forma a podermos tentar esquecer este mundo surreal onde vivemos, isto levou à recordação dum desvairo psicotrópico em específico, que nos elevou as nossas mentes capitalistas e consumistas, aliadas a uma fome descontrolada, e por isso que fizemos nós num Domingo à tarde naquele estado ébrio? A resposta é a mais óbvia possível! Fomos à instância comercial que dá pelo nome de Lidl e desatamos a comprar chocolates, bolachas e obviamente o RedBull do Lidl que custa uns meros 60 centimentos de euro. Eu próprio comprei um saco cheio de mini Kit-Kats, uma caixa de saborosíssimas bolachas americanas, das quais não me lembra a marca, o que não é nada bom porque merecem publicidade de tão saborosas que são! E, finalmente, comprei um RedBull ao preço da chuva que me soube a ginjas!

Contudo isto não fica por aqui, até porque nessa mesma tarde quem tava comi comprou também uns bolos que estavam extramamente bem selados e chegamos a uma conclusão extremamente pertinente e completamente racional e lógica que é a seguinte: “o vácuo conserva bem” à qual vem seguida por uma frase mais do que espectacular e que terminaria a conversa: “Pois, por isso é que convém fechar o saco do pão, senao o pão não conserva”. E foi assim, uma noite de quase verão...

Conclusão... este é um texto sobre nada. Acabaram de perder tempo precioso da vossa vida a ler sobre nada, o que vos parece?


Agradecimentos a:

R. R. (Companheiro da Conversa);
Fornecedor da Substancia Psicotrópica.


L.M.

domingo, abril 30, 2006

Irreal Social

Eu odeio centros comerciais. No outro dia perdi-me e fui parar a um desses fantásticos edíficios, ainda para mais, na margem sul e cujo o nome não menciono para não fazer publicidade (só mesmo porque não quero!). A certa altura dou comigo a pensar: todos os centros comerciais são iguais. Sim. Eu sei. Não é preciso ser um génio para chegar a esta conclusão. Contudo, o meu raciocínio levar-me-ia mais longe: se todos os shoppings (também odeio estrangeirismos), esses colossos de consumismo espalhados por todo o país, são iguais, então, todos os seus visitantes ou clientes habituais serão igualmente, iguais, passe a redudância. Esta rudimentar teoria seria confirmada.

Dei uma volta por esse centro comercial e vi as coisas do costume: o namoradinho com ar de cromo e calças baratas à portuguesa, vai com o bracinho em cima dos ombrinhos gordos da namorada horrorosa. Tão angelicais que eles são:ela, com aquele sorriso de Mona Lisa arrependida e ele com aquela cara de quem nunca tinha estado ali. Uns inúteis!
Mais à frente paro junto de um cinzeiro para fumar um cigarro (num centro comercial tem que se fumar muitos cigarros), e constato que todos os que passam por mim se vestem da mesma maneira. As mesmas marcas, as mesmas cores. O que me levou, consequentemente, a esta ideia: com tantas lojas diferentes, e andam todos com as mesmas roupas, isto deve querer dizer que há lojas que vendem às toneladas e outras que nem um miserável parzinho de meias vendem a um velhote decrépito! Percebem a ideia?

Num outro corredor, um novo casal de namorados. Estes com ar de casados, aquele ar de frete do tipo: “antes isto que ficar a noite toda a ver a TVI e a morrer de tédio”. Estes gajos, garanto-vos, não sabem o que é sexo há um ano e andam para ali com aquele ar de comprometidinhos como se o amor fosse compromisso. Ele, tem ar de companheiro. Não parece ser namorado ou marido. É companheiro. Ela, enfim, assemelha-se muito ao estilo noiva-cadáver, o que nem é assim tão mau, isto é, há pior, ou seja, ela é horrivelmente feia mas ainda assim conheço casos mais críticos.

Não posso com esses individuos com ar de companheiro. Companheiro é, certamente, o pior adjectivo que uma mulher pode utilizar para caracterizar um homem. Se uma namorada minha se referisse a mim nesses termos, estaria tudo terminado. Meninas, desenganem-se! Eu não sou companheiro de ninguém. O companheiro é aquele que acompanha, o que me faz lembrar a palavra acompanhante. Acompanhante, para além de prostituto, também pode ser utilizado como peça decorativa, dependendo dos contextos. Ora! Eu não sou uma peça decorativa!
Passo discretamente por esses majestosos corredores de lojas. As montras, nem dou por elas. Penso: “sou um anti-social. Não gosto de nada, não gosto de ninguém. Sou aquele que simplesmente não encaixa. ”Já nos anos 70, Patti Smith cantava: “Out of society, they’re waiting for me//Out of society, that’s where I want to be”. É isso que eu sinto. Sinto que estou fora da sociedade, e penso nisso como se fosse um crime. É este tipo de repressão que eu vivo em tudo o que faço. Eu não gosto de feriados, de épocas festivas nem daqueles bailinhos da terrinha da nossa infância. Eu não gosto de desportos radicais, ginásios nem música de merda. Eu não gosto de aniversários. Nunca vou a funerais. Casamentos, nem se fala.
Sou um anti-social. Que dúvidas restarão?

Este tempo é-me estranho, estes sítios são-me estranhos. Olho para os outros, os que passam por mim, parecem-me bem sucedidos na vida. São pessoas perfeitamente inseridas no sistema. Putos de vinte e tal anos, uns acabaram os cursos outros não, já todos casados, com filhos irritantes aos berros, provavelmente com um carro que não podem pagar e a fazer compras com cartões de crédito. Acho que já deu para perceber que não gosto muito desta gente, certo? Pois bem, no entanto, acho que eles é que são bons. Mais: acho que são melhores que eu. Eles conseguiram sobreviver com o sistema. Eles adaptaram-se. Eu não. Mesmo sabendo que eles não sabem nada. Mesmo sabendo que são meras marionetes. Acho que todos esses acomodados vivem melhor do que eu. A última grande preocupação destes gajos foi: “Meu Deus! Já constroem mais centros comerciais que estádios! Onde é que isto vai parar!”. Ou então têm conversas intensas acerca de uma telenovela juvenil qualquer.

Eu, cá por mim, ando sempre preocupado com alguma coisa. Nem que seja uma notícia num jornal sobre a baleia-xpto-que-está-em-vias-de-extinção-num-mar-qualquer-longínquo-que-ninguém-sabe-onde-fica. Eles não. Eles andam felizes, ou pensam que andam felizes, ou qualquer coisa que os valha. Eles ouvem Michael Bublé (será assim que se escreve?), eu oiço Frank Sinatra. Eles ouvem James Blunt (a revelação do ano, segundo a MTV), eu oiço Neil Young. O que me vale a mim conhecer as obras completas de Piaf ou Brel? E por outro lado, que culpa tenho eu de não gostar daquilo que todos gostam? E ainda assim, nem sei porque é que não gosto dessas coisas, pelo menos, se me pedissem para explicar, eu não o saberia fazer.
Só sei que tenho tendência para odiar aquilo que os outros gostam e é por isso que odeio centros comerciais. Porque lá é tudo diferente de mim e eu não me revejo em nada, e para agravar, todos os que passam por mim parecem cópias uns dos outros. Ou serão os centros comerciais que são cópias uns dos outros?

Qual o objectivo deste texto? Não sei. Mentira. Sei, mas não vou dizer porque sou um artista.


Curiosidade: (completamente desinteressante e que ninguém vai ler porque desistiram todos a meio) Este texto foi escrito ao som de No More Shall We Part de Nick Cave & The Bad Seeds.

Agradecimentos: Nick Cave & The Bad Seeds, Centro Comercial Anónimo, aos dois casais de parolos que vos falei e ainda a todos os bimbos ignóbeis que tiveram a infelicidade de passar por mim naquele triste fim de noite. Para esses, que ardam no inferno!

Citações:

“Sarcasm can be a dangerous weapon”
(A.A. – Autor Anónimo)

“Misery is the river of the world”
(Tom Waits)
F.A.R

segunda-feira, abril 17, 2006

Amo-vos!

12h15 – O meu sono é avassalado pela “Parabola” dos Tool (sinal de mensagem no telemóvel). “Quem será o doido que me está a acordar?” – é este o meu primeiro pensamento. Abro o telemóvel e reconheço o número do meu amigo David Barata. Viagem para o Porto? Contratações do Benfica? São estas as hipóteses que figuram no meu imaginário…10 minutos mais tarde sonhava acordado que a mensagem do David fosse um pesadelo: “Morreu o Dino dos Morangos ao pé de Alcochete”.

Acordo sobressaltado! Ao meu lado a minha irmã acorda também.
“Paula, morreu o Dino dos Morangos!”. “O quê?!?” – responde a minha irmã de 15 anos completamente surpreendida.
Levantamo-nos os dois e deparamo-nos com o poster do Francisco Adam na porta do quarto dela. Parecia mentira, mas o Dino estava a sorrir para nós. Mas não era só o Dino que para nós sorria. Naquele momento sorriam no corpo do Francisco Adam mais pessoas. Reconheci Miki Féher, reconheci o jovem Bruno Baião. Vi, inclusive, os meus amigos “Taliscas” e “Diler” que desapareceram na flor da idade.

Muitas vezes critiquei os “Morangos com Açúcar”. Muitas vezes não me entra na cabeça aquela deturpação da realidade. Mas confesso: não perco um episódio da série.
Ver o Dino partir é quase como ver um amigo alegre e sempre bem-disposto dizer-nos: “Adeus e até sempre”.
O Francisco foi levado pelo destino, como o haviam sido Féher ou o meu amigo “Diler”.

Ninguém devia morrer tão jovem… mas a vida é mesmo assim e temos de a encarar de cabeça erguida e olhos postos no futuro. Mas a tristeza não passa, a tristeza fica, por muito tempo…

Não lamento apenas a perda do Dino dos Morangos. Lamento o Francisco. Lamento as vezes em que não disse aos meus pais o quanto os amo. Lamento as vezes em que não disse à minha irmã: “miúda, tou cheio de saudades tuas!”. E lamento porquê? Lamento porque não sei se amanhã cá estamos. E antes que seja tarde demais, quero dizer-vos a todos: AMO-VOS!! AMO-VOS MUITO!!! Vamos aproveitar o tempo que nos resta, porque lá em cima o Dino, o Féher, o “Taliscas” e o “Diler” estão a fazer uma “shaker night” em honra à nossa felicidade.

P.R.


Em memória de Francisco Adam
(1983-2006)

quinta-feira, abril 13, 2006

Acreditar ou não, eis a questão

Adoro sonhos estranhos.
Uma vez sonhei que estava a acampar com amigos meus em Aljezur (como de costume) a poucas horas de um Benfica x Sporting e apareceu-me o Luisão à frente.
Perguntei-lhe o que ele estava ali a fazer e o defesa central do Benfica respondeu-me:
”Nada.”
Foi aí que o internacional canarinho enfiou-se num mini e começou a fazer esticaria no parque de campismo do serrão. O pó divida-se entre pessoas, tendas e roupas, enquanto o bom do Luís divertia-se à grande (como ele).
O pior aconteceu quando o mini do gigante brasileiro não aguentou tamanho rally e desterrou-se (não havia pista) contra a vedação do parque, enlaçando-se nalgumas folhagens cúmplices dos nossos bons modos na noite anterior.
Antes de ser sportinguista sou um humanista (sportinguista) e corri a ajudar o meu amigo Luís. Ele, coitado, nem contorcer-se podia já que a sua envergadura fazia 3 da do carro mas lá me arranhou que estaria incapacitado para jogar contra o Sporting.
E acordei.

Enquanto via Big Fish, a minha mãe encontrava-se na mesma sala que eu, sentada num sofá atrás do meu a descascar as favas que o meu irmão tanto gosta. Eu detesto favas.
À medida que o filme avançava, a minha progenitora atirava-me perguntas atrás de perguntas, esforçando-se por compreender racionalmente o que via. Foi o maior erro que podia ter feito.
Este peixinho grande só pode ser compreendido por quem vive num mundo desconstruído, por quem aceita o irracional e irrompe de olhos vendados rumo ao mundo da fantasia.
Big Fish só pode ser mágico para quem vê em Tim Burton um autor antes de ver um realizador, por quem reconhece que isto só é chato se nós assim o fizermos, por quem acredita que somos nós que pintamos o quadro da nossa vida.
Vejo Big Fish como o sonho que atrás descrevi, em que abraço o irreal com a força da minha existência e esqueço o que me rodeia.
A verdade é muito aborrecida, Tim Burton sabe disso.
Não pretendo analisar a vertente técnica do universo “Burtonesco”, qualquer pessoa o poderá fazer depois de observar este filme que é a sua obra prima-tia-mãe.
Mas há uma coisa que só eu posso contar: aquilo que senti quando o rio levou o filme.
E o que se passou foi que permaneci ali, cristalizado, a observar sem tomar qualquer tipo de atenção (como é hábito) a cascata das legendas que descia ao ritmo da melodia final.
De repente levantei-me, peguei nas minhas sapatilhas abertas na parte da frente e fui correr até à praia ver o pôr-do-sol.
Ao assistir àquele espectáculo da natureza, percebi tudo.
Mergulhem na ficção dos vossos sonhos e acreditem. Façam pontes e destruam muros.
A vida é muito mais bela para quem acredita.

R.C.

terça-feira, março 21, 2006

Quem anda à chuva em Lisboa, afoga-se!

Rui Coelho é acordado com o terno sopro de um berbequim às 8h30. Tal melodia penetrava nos seus ouvidos a uma velocidade considerável e, por sinal, parecia estar a ser transmitida directamente de uma emissora vizinha ao seu apartamento.
Depois de abrir a porta e vomitar um impropério rumo a quem quer que estivesse a compôr tal música, desiste de dormir e vai despachar-se, tranquilamente. A faculdade aguarda-o para mais uma manhã de estudo católico.
Dirige-se bem disposto em direcção ao metro e a música daquele berbequim já está colada aos seus tímpanos. Como é hábito não compra bilhete, as estações exigidas pelo trajecto diariamente percorrido têm as portas abertas.
Arroios, Campo Grande, Cidade Universitária, o trio liberal.
Como de costume já se encontra atrasado e, ao descer no Campo Grande, desliza pelas escadas num slalom formidável, ludibriando pessoas de todos os estratos sociais.O próximo comboio ja uiva ao longe, Rui tem os olhos no chão e os seus ouvidos fazem amor com a cera.
No entanto, ao dobrar a esquina das ditas escadas qual Forrest Gump, tudo muda.

Rui Coelho depara-se com...
347838047098419028489023983192810283910283190290 fiscais do metro. "Picas", na gíria.
Pedem o seu passe (não tem passe) e é então que o jovem algarvio sai-se com a frase mais extraordinária que alguém poderá lembrar-se de dizer numa situação destas:
"Agora não posso." E foge.
A resposta dos responsáveis pela segurança financeira do metro de Lisboa foi imediata e cirúrgica. Qual operação Barbarossa, estes homens com a coluna vertical hirta (homens de família, pais de filhos) trocam sinais, códigos verbais e a tampa salta.
Ele há snipers vestidos de azul, vermelho e branco (moda ultrapassada, diga-se) a surgir por todos os cantos, ouvem-se helicópteros (não se ouvem nada) e não demorou muito até o facínora Rui Coelho, no seu ritmo Susana Feitor, sentir-se agarrado com veemência por braços tonificados (não confundir com doping, falamos de pessoas íntegras) de cólera profissional, já no acesso às escadas que sobem para uma daquelas linhas ferroviárias.
Rui procura o seu passe (relembro que não o tem) e, passados 5 longos e extremamente confiantes minutos de busca pelo mesmo, o rapaz profere mais uma pérola digna de figurar nos anais da História registada da capital portuguesa:
"Não tenho passe."
O final acaba por ser feliz, como deve ser toda e qualquer história que se preze.
Dos 50 euros previstos como multa a pagar em situações “normais de esquecimento”, o preço é puxado (gentilmente) até uns irrisórios 13 000$ que deixarão o aluno da Universidade Católica Portuguesa, pólo de Palma de Cima - Lisboa (ufff...) a pão e água no par de semanas que nos aguarda.
Tamanho desenlace, logicamente, apenas terá sido possível devido à misericórdia daqueles chefes de família, pais de filhos, cujo sentido de ofício nos enche de orgulho.
Afinal, vale a pena encarar o futuro desta nação com outros olhos. Olhos verdes, de esperança.

P.S.: Consta que Rui Coelho, pela hora em que este texto estava a ser concluído (01h42), dirigia-se rumo à cozinha do seu apartamento em Arroios para comer um pão.

R.C.

segunda-feira, março 13, 2006

Óscares 2006 - Duas perspectivas

O liberalismo de Hollywood

Por detrás de um grande filme está uma grande banda sonora. Cada vez defendo mais esta teoria e que Gustavo Santaolalla permaneça no activo por muitos e melódicos anos para poder assiná-la por baixo com a sua música fascinante.
Depois de de Amor Cão, 21 gramas ou Diários de Che Guevara, este argentino de 54 anos vê finalmente reconhecido o seu trabalho em Hollywood ao receber o óscar de melhor banda sonora pelo seu trabalho adoravelmente repetitivo em Brokeback Mountain.
A 78ª edição da entrega dos Óscares de Hollywood ofereceu, ao contrário do que muitos apregoam, várias surpresas: Desde logo, o aclamado Brokeback Mountain venceu apenas 3 dos 8 óscares para que foi nomeado. Depois porque, desses 3, apenas o de melhor realizador teve o impacto oscarizado que a obra poética de Ang Lee fazia antever.
Por fim, porque o prémio de melhor filme foi entregue a Crash, a obra-prima de Paul Haggis (Produtor de Million Dollar Baby) que conta a história dramática do quotidiano de Los Angeles, onde o racismo e a intolerância como resultado da diversidade étnica e racial característica da cidade dos anjos constituem o prato forte.
No entanto, o evento que mais me surpreendeu na noite de domingo passado diz respeito ao vinho que rega Crash.
Transpondo o espírito do novo-rico para o novo-amigo, a academia de Hollywood aprimorou a sua faceta liberal e resolveu aderir ao comboio do hip-hop, premiando “It`s hard out there for a pimp”, do filme Hustle and Flow, com a estatueta referente à melhor música original.
Ora se compararmos esta cerveja sem álcool ao vinho do Porto servido por Bird York no seu “In the Deep”, é forçoso reconhecer o ridículo que as gargalhadas (ingloriamente combatidas) do apresentador Jon Stewart (nota máxima na sua estreia) anunciaram após a entrega do dito prémio.
No fim da festa importa reconhecer que o ano cinematográfico de 2005 foi de enorme qualidade, prevalecendo a vitória do filme-mensagem sobre as grandes produções de Hollywood.
Apologia do respeito pelas diferenças sexuais, religiosas ou raciais; respeito pela liberdade de expressão ou o desmascarar dos efeitos colaterais necessários à sobrevivência do monstro capitalista; vários foram os filmes político-sociais premiados na edição 2006 dos óscares. Perdão, Óscares.

R.C.


“And the Oscar goes to…”

Foi da boca de Jack Nicholson que saíram as palavras que causaram a surpresa da noite. O melhor filme do ano acabou por ser, contra todas as expectativas, o drama alucinante de Paul Haggis.
Que me perdoem aqueles que apostavam nos “cowboys” de Ang Lee para ganhar a estatueta, mas “Crash” é um justo vencedor. Esta produção alternativa que nos remete para o mais profundo, conflituoso e paradoxal interior do ser-humano é, sem dúvidas, a escolha certa da Academia. “Crash” é um filme genial que mistura histórias complexas ao estilo de “21 Gramas” com a profundidade sentimental de “Million Dollar Baby” (a este aspecto não é alheio o facto de Paul Haggis, realizador do filme vencedor deste ano, ter sido o produtor do filme de Clint Eastwood).
Mas algo está a mudar no cinema e as nomeações para melhor filme foram a prova desse facto. Os “blockbusters” aprontam-se a deixar cada vez mais espaço para as produções alternativas como “Crash” e “Good Night and Good Luck”.
Saem como grandes vencedores da noite dos Óscares, não só “Crash" e Philip Seymour Hoffman (dono de uma das mais desconcertantes interpretações que o cinema já conheceu), mas também o cinema em si. A qualidade melhora a olhos vistos e esperemos que continue assim, em prol do cinema e em prol de uma melhor consciência crítica.

P.R.

sábado, março 04, 2006

The Island of Memoirs

Irlanda: Dublin, Belfast & Causeway Coast

Depois de ter sido apresentado aqui no Desvio do Pensamento o trabalho e os resultados a nível económico das políticas irlandesas (por R.C.), viajei até lá para espreitar um pouco da ilha. Da Irlanda em si, Dublin; da Irlanda do Norte, Belfast e a “so-called” Causeway Coast. E muito ainda há para descobrir naquela ilha.

Ao aterrar em Dublin, a primeira impressão é a de que vou estar não sei quantos dias numa ilha onde não consigo perceber três quartos do que eles dizem. O «Irish accent» aproxima-se, por vezes, do Chinês. Se peço indicações, percebo meio nome da rua que estava à procura; se peço uma Guinness, percebo metade do preço daquilo que realmente tenho que pagar. Se o «British» já pode ser tramado, o «Irish» é… Chinês. De Dublin só conheço os U2 e o Oscar Wilde quando aterro. Saio de lá apaixonado pelo bairro de Temple Bar – com todo aquele ar alternativo e de ter sempre uma boa exposição ou um bom concerto à porta; e com um certo apego ao valor que os irlandeses dão a um bom pub, uma boa Guinness e um bom concerto de música celta… Juntando o Trinity College, a National Gallery, a casa do Oscar Wilde, as várias caminhadas e uma vista de olhos pelo Book of Kells – e saio de Dublin com um sorriso pregado na boca, pronto para continuar a viagem.
Chego a Belfast e desiludo-me em três segundos. Cidade sem furor de beleza. Esburacada por novos investimentos por todo o lado e vestida pelo sem-fim de receio por mais bombas, assassínios ou raptos. Coração dos conflitos político-sociais dos chamados “troubles”, que desde 1969 assombram a parte Oeste da cidade, Belfast resiste optimista quanto ao futuro. Estampado na cara das pessoas estão dois componentes: um passado magoado e um convicto sabor a felicidade para o futuro. Misteriosa mistura que dá uma estranha vontade de enaltecer a cidade. O que me levou a Belfast não foi a sua arquitectura ou os seus monumentos (que em muito me surpreenderam), mas sim a curiosidade por aquela tensão criada pelos “troubles”; os murais protestantes e católicos; os sentimentos de quem vive num dos lados da fronteira criada por tão fortes divergências. E foi isso que vi. De Shankill Road – coração do bairro protestante – até ao bairro católico em Falls Road, senti a tensão, admirei a brutalidade dos murais e ouvi os sentimentos dos dois lados da fronteira. Dispersos ainda entre vinganças e ódios, estes sentimentos são assustadores pela sua magnitude – «Estás a ver esta cicatriz no meu pescoço? Foi a IRA há já uns anos atrás»; «Eu não sou irlandês! Sou inglês e fiel à Rainha! Protestante de gema, nascido e criado em Shankill Road»; «Estás a ver aquele carro ali a 50 metros? Há 4 meses explodiu ali uma bomba armadilhada num carro e eu estava aqui a fumar um cigarro» … A intensidade dos acontecimentos é já quase banalizada por todos, enquanto eu receio, da cabeça aos pés, pela minha permanência até já à noite nestes dois bairros, em muito, ameaçadores.
Parto então para a última etapa desta viagem: a visita à Causeway Coast – costa do topo norte da ilha, recortada por altíssimas falésias e uma natureza pura e sentida. Uma caminhada de 18 km pela costa de Ballintoy a Bushmills, passando pelo fenómeno natural, grandioso e parte do património da UNESCO – Giants Causeway – bastou para perceber a magnífica força da natureza irlandesa. Talvez da Irlanda mesmo em si, daquilo que sempre foi e que, esperemos, sempre será: «an island of memoirs» ... onde nos perdemos muito fundo em nós próprios.
“So peaceful and calmly this place it seems to be,
Yet I stare at it sadly for its thru a picture I see,
This land far, far away from mine
I watch the clock in patient time
For someday soon I’ll touch the sand
Of this calm place called Ireland.”
Chantal O’Connor
J.A.

sexta-feira, fevereiro 24, 2006

O Fiel Jardineiro: Duas perspectivas

Óscares e lobos
Há 3 coisas que não gosto: Fazer malas, andar por ruas cheias de presentes caninos e que me forcem a sair da sala do cinema logo após o fim do filme, caso este me tenha agradado. O fim de um filme é, muitas vezes, a consagração viva do mesmo. Assim como há quem tenha o gesto admirável de homenagear pessoas (em vida, imagine-se!) por quaisquer feitos por si realizados, também há quem goste de bajular por telepatia os filmes quando estes terminam. O teatro concebe momentos para a consagração (ou não) dos actores de qualquer peça. Após serem engolidos pela cortina que antecipa o programa de festas, os artistas regressam e são avaliados pela sua audiência. Pois bem, também as legendas sonoras da recta final de um filme devem servir para uma introspecção valorativa do impacto que este teve em quem o vê. Este período, compreendido entre o eterno “FIM” e o reacender das luzes da sala, é um momento íntimo de diálogo entre legendas e espectador, música e ouvinte, escuridão e luz (a nossa). Nestes breves minutos, se o filme em causa nos colou à cadeira como um avião lançado para levantar voo o faz, temos a possibilidade de expressar o nosso obrigado, aquecendo o lugar mais um pouco e entregando o nosso óscar por telepatia. Partilhei esse momento com o resto da sala em “ O Fiel Jardineiro”. Revelo-me derrubado pela primeira obra internacional de Fernando Meirelles (Cidade de Deus). De uma fase anterior ao visionamento do filme em que as minhas expectativas não eram famosas, passei a um estado pós-filme em que me via num silêncio apaixonante e quanto menos falava melhor me sentia. Todo eu era introspecção naquele momento, todo era uma pessoa que tentava ser melhor. Meirelles constrói um enredo à volta do casalinho da ordem, Tessa (Rachel Weisz) e Robert (Ralph Fiennes), cuja convivência é marcada por manifestos conflitos entre o ser e o não ser. A questão de Shakespeare é para aqui chamada na perspectiva de Robert, que a partir de rumores ou interpretações erradas, constrói uma nova realidade na qual encaixa a sua vida conjugal a partir de informações fornecidas directa ou indirectamente pela sua Tessa. No detalhe, as surpresas chovem a um ritmo preciso. Durante duas horas o realizador brasileiro encadeia os acontecimentos pela lógica do nosso raciocínio, dá-nos tempo para a consolidação dos mesmos e, em seguida, destrói-los, colocando tudo em causa. O que pensamos ter apreendido (a medida temporal é jogada de forma muito inteligente) ganha novos significados quando menos esperamos, num processo que tende a forjar a auto-censura do espectador. Meirelles parece criticar o género humano por assimilar determinados estereótipos que turvam a visão real do que nos rodeia. Assim, existe também uma aproximação entre actores e espectadores, com as personagens a mudar à medida que observamos a nossa própria mudança. No Kilimanjaro deste “Fiel Jardineiro” aparece Rachel Weisz, que surpreende tudo e todos depois de nunca ter elevado o razoável do seu desempenho como actriz junto do esplendor da sua beleza. Neste filme a britânica metamorfozeia-se aos nossos olhos com uma facilidade estonteante, encarnando o papel de mulher-menina cuja alegria de viver é tão grande quando o tamanho do seu coração justo. No mais, o drama do que “está escondido por debaixo das pedras” por locais como o Quénia de Meirelles esbofeteia-nos à medida que as legendas finais vão subindo na tela até desaparecerem. Sendo certa a adaptação deste filme ao romance de John le Carré, “O Fiel Jardineiro” aborda o lado escondido do colonialismo, o da subversão dos “mais fracos” perante os “mais fortes” e a impotência que sentem aqueles que tentam remar contra a maré. Os esforços de Tessa e do médico que a acompanha no desvendar de um mistério que envolve uma grande empresa farmacêutica que fornece medicamentos para o Quénia são cortados pela raiz. A ociosidade dos big brothers da “civilização” não só não sacia a fome por justiça que a encaminhava para os ossos esfomeados da população de Nairobi como a enviou precocemente para o céu. Quando temos um coração bom e a consciência leve acabamos por dizer e fazer o que nos vem à cabeça. Embebidos no entusiasmo que nos embriaga, pensamos apenas no consumar do que idealizamos e o pesar das consequências fica de fora. Por vezes corremos rumo à toca do lobo, queremos ajudar a presa lá retida, indefesa, já ferida. O pior é o lobo.
R.C.


Não

Ao entrar na sala de cinema não fazia ideia do que me esperava. Aliás, pensava até que seria apenas mais um filme lamechas todo dramático e acima de tudo enfadonho. É claro que ainda não tinha lido nada acerca do filme, mas ainda assim, tinha três boas razões para o ir ver. A primeira dessa platinada trilogia era Ralph Fiennes. Quem não se lembra da sua fantástica interpretação de um lunático fascista em A Lista de Schindler (Steven Spielberg, 1993)? A segunda razão,Rachel Weisz. Depois do excelente papel desempenhado em O Homem Que Veio Do Mar (Swept From The Sea, Beeban Kidron, 1997) e de ter andado perdida em filmes como A Múmia e O Regresso da Múmia, eis que Weisz volta a marcar encontro com a qualidade, nesta sua interpretação de uma activista humanitária. Por fim, last but not the least: Fernando Meirelles, o realizador de A Cidade de Deus (2002), que nos deixou boquiabertos pela forma como a sua lente capta a violência – e The Constant Gardener, acreditem, não fica a dever nada a obra-prima de Meirelles. Não pretendo com este texto contar a história do filme ou fazer qualquer abordagem crítica do mesmo. Para isso, meus caros leitores, peço-vos que se dirijam às poucas salas de cinema que ainda têm esta fita em exibição.
Pretendo, sim, falar-vos do que senti após as mais de duas horas de cinema com que fui brindado pelo realzador brasileiro. Sem dó nem piedade Meirelles mostra-nos o quão podre este mundo pode ser. Sim, o filme fala-nos de amor, de paixão levada aos extremos (pelas pessoas, mas também pelas suas crenças), mas sobretudo diz-nos da corrupção que corrói o mundo diplomático ocidental, da pobreza e da miséria que se vive um pouco por todo o continente africano, fala-nos de todos os execráveis jogos políticos que visam apenas um e só objectivo: o lucro. O lucro a qualquer custo. A teoria Maquiavélica de que os fins justificam os meios, mesmo que esses meios se tratem de seres humanos.
Depois de assistir a O Fiel Jardineiro, voltei a questionar tudo aquilo que me ensinaram, tudo o que aprendi a questionar desde pequeno: A Democracia.
A cultura ocidental tem, de facto, as suas virtudes, mas, como tudo, tem também os seus inevitáveis defeitos. O mais grave é que esses defeitos, destroem o mundo, consomem vidas a mesma velocidade que nós, ocidentais, consumimos hamburgueres e Coca-Cola, e fazem de nós os maiores monstros de que a história se pode lembrar. Enquanto uns morrem, pagando a factura da nossa luxuosa vida, nós vamos vivendo numa suposta (utópica?) liberdade, correndo atrás de Euros e de Dólares, bradando ao mundo a nossa perfeição.
Dizemos que o mundo islâmico vive cego pela religião, que são uns fanáticos, uns violadores, uns doidos – uns fundamentalistas sem sentido. Independentemente de isto ser verdade ou não (não é o que está em questão), impoe-se a interrogação: e nós? Não seremos também uns fundamentalistas democráticos? Não serão a democracia e a liberdade a nossa religião, no sentido que nos referimos a deles? Será a democracia o projecto (falhado?) de um mundo perfeito, ou apenas um véu que tapa tudo o que se passa no resto do mundo e transforma a nossa inteligência em perfeita arrogância (podem substituir por ignorância, se preferirem)?
Quando o filme acabou, ninguém ousou levantar-se da cadeira. Nem uma única pessoa se mexeu. As palavras não saíam. Não me apetecia falar. Quando finalmente saí, reparei que os outros espectadores, também não vinham com grandes conversas, mas sim com o olhar pensativo e pesado. Talvez pensassem na culpa que germinava dentro deles. Talvez pensassem na revolta que sentiram por saberem que nada irão fazer para mudar alguma coisa.
É triste saber que a miséria que urge neste planeta, é a consequência directa da nossa liberdade, do nosso consumismo, do nosso ridículo futuro manchado de sangue de gente indefesa e inocente. É triste saber que tudo se deve a interesses políticos, financeiros e até pessoais, de um todo poderoso monstro diplomático qualquer. Somos marionetas nas mãos dos nossos políticos. Somos peças viciadas de uma velha e ferrugenta engrenagem.
Se as grandes potências mundiais fossem empresas (e será que não são?), então deviam todas fechar para obras de reestruturação e por tempo indeterminado.
Perto da mesa onde escrevo estas palavras, brincam crianças que desconhecem estas coisas, e passam adultos descontraídamente despreocupados. Até quando continuará este flagelo? A que custo conquistamos nós esta espécie de liberdade?
Não. Não há palavras que possam expressar este meu descontentamento. Quero fugir para um sítio sem palavras, conceitos ou teorias. Quero desaparecer.
F.A.R.
"As soon as you’re born they make you feel small,
By giving you no time instead of it all,
Till the pain is so big you feel nothing at all,
A working class hero is something to be.
They hurt you at home and they hit you at school,
They hate you if you're clever and they despise a fool,
Till you're so fucking crazy you can't follow their rules,
A working class hero is something to be,
When they've tortured and scared you for twenty odd years,
Then they expect you to pick a career,
When you can't really function you're so full of fear,
A working class hero is something to be.
Keep you doped with religion and sex and TV,
And you think you're so clever and classless and free,
But you're still fucking peasants as far as I can see,
A working class hero is something to be.
There's room at the top they are telling you still,
But first you must learn how to smile as you kill,
If you want to be like the folks on the hill,
A working class hero is something to be.
If you want to be a hero well just follow me"

John Lennon

"Big man, pig man, ha ha, charade you are
You well heeled big wheel, ha ha, charade you are"

Roger Waters

domingo, fevereiro 05, 2006

“O Idiota Supremo”

Não raras vezes, lemos um livro que nos foi indicado ou mesmo “impingido” por uma qualquer “autoridade superior”. Deparamos, posteriormente, com obras vazias de um conteúdo significativo. A história da literatura muitas vezes sofreu com esta espécie de “forcing” em transformar obras e escritores razoáveis (ou mesmo medíocres) em vultos literários.
No entanto, existem também casos, em que o valor literário e histórico de uma obra é verdadeiramente incontestável. Poderia mesmo citar acerca deste ponto obras como “Os Maias” ou ainda um fabuloso “Hamlet” de Shakespeare.
Nesta minha apreciação vou-me debruçar sobre aquela que considero uma das mais proeminentes obras da literatura europeia: “O Idiota” de Fiódor Dostoiévski.
O “Idiota”, que nos é apresentado pelo escritor russo, simboliza, na minha opinião, não só o mais puro e sofredor dos corações humanos, mas simultaneamente a mais nobre e virtuosa atitude do Homem. Atrevo-me mesmo a dizer que um leitor que interiorize, gradualmente, a obra, se sente a dado momento como que um amigo de Lev Nikoláevitch.
Este príncipe vai mais além do Artur Corvelo “pintado” por Eça. Este Príncipe Míchkin representa toda a ingenuidade, todo o valor e toda a força que um homem pode usar em prol das outras pessoas. Dostoiévski não se limita a apresentar um príncipe simplesmente ”idiota”. O escritor coloca este mesmo “idiota” no mais nobre dos cenários russos onde, as figuras exultantes da alta sociedade, se deliciam com a sua “estupidez” perante pontos de vista que qualquer leitor sensível identifica como demasiado profundos e vanguardistas para a época. Pese embora isso, esses pensamentos baseiam-se sempre numa base sólida que nos faz repensar as nossas simples vidas de cidadãos do mundo desenvolvido em pleno século XXI (atente-se que, o livro foi escrito no final do século XIX, numa altura em que a Rússia se agitava com graves problemas sociais e económicos).
Concluo, não querendo cair na tentação de espelhar neste artigo os traços gerais da obra (o que de resto, seria impossível), que este “O Idiota” é, a meu ver, uma das mais importantes obras existencialistas de todo o tempo. Não um existencialismo explícito, mas um existencialismo subtil. Dêem-me a ousadia de afirmar que: o mundo seria bem melhor, se todos nós conseguíssemos igualar os nossos corações ao de Lev Nikoláevitch, não tendo medo de ser bons, mesmo que para isso sejamos para sempre e inevitavelmente apelidados de: “O Idiota”.

P.S: Deixemo-nos então influênciar por um bom livro porque, como referiu Marguerite Yourcenar (e nos lembra o programa "páginas soltas" numa citação da escritora) : "A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana."

P.R.

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

RRRrrrr!!!!

Quando me convidaram para ver o filme sobre o qual me debruçarei nas próximas linhas, pensei que os meus amigos em causa estavam apenas no gozo. “RRRrrrr”?!?! Que raio de filme é que tem como título “RRRrrrr”?!?!
Pois é, acontece que passados largos minutos sobre o fim deste blockbuster de Alain Chabat (realizador de Asterix & Obelix: Missão Cleópatra), parar de rir tinha tanto de 007 como de Missão Impossível.
“RRRrrrr!!!” transporta-nos até à Idade da Pedra, algures onde se falará francês. Duas tribos convivem num ambiente de alguma tensão: A tribo dos “cabelos limpos” regozija-se por deter o segredo do champô (…) e a dos “cabelos sujos” passa o tempo a invejar a limpeza dos cabelos alheios, tentando fugir de si próprios como se foge do perfume que o gás metano produz em contacto com o ar. Cheiros!
Ora esta sátira à pré-história tem como pano de fundo o primeiro assassinato cometido entre homens, ocorrido no interior da tribo asseada. Uma questão carece de uma resposta imperativa: “Se a morte é certa para todos, qual a razão que leva uma pessoa a tirar a vida a outra antes da sua hora?”
Pelo meio, Chabat oferece-nos um rol interminável de acontecimentos “nonsense” extremados até onde a corda aguenta. De alguma forma, a junção dos espasmos de estupidez extraídos das vidas de cada um de nós redundam num filme que torna-se agradável se estivermos prontos a aceitá-lo tal como ele pretende ser: parvo.
Com a participação (algo deslocada, diga-se) de Gérard Depardieu, “RRRrrrr!!!!” é um prato de fácil digestão aconselhado a ser ingerido entre amigos, num ambiente onde o riso espalhar-se-á por contágio.
Um filme que “entra a cem e sai a mil”, como se pede num género destes. Boa refeição!

R.C.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Cavaco

Ao votarem em Cavaco Silva para Presidente da República, os portugueses assinaram um novo capítulo na História de Portugal. Ao fim de 95 anos e 17 presidentes representantes da esquerda, Cavaco Silva assume-se como o 1º Presidente da República de Portugal ligado à área política da direita.
Neste momento de viragem histórica na política do país, importa reflectir um pouco sobre o homem que vai presidir ao mais alto cargo da hierarquia política nacional nos próximos 5 anos.
Cavaco esperou muito por este momento, por muito que o negue. A derrota para Sampaio nas presidenciais de 1996 ficou encravada na sua garganta de economista. Quis ter a certeza de que venceria porque sabe que tem algo de especial que mexe com o povo, um dom pouco visível mas que o distingue dos outros de um modo surpreendente e incompreensivelmente visível.
Não é um homem que atraia pela oratória. É tímido, reservado, não convence pelo argumento persuasivo. Não tem alma de político.
E é precisamente por não ter alma de político que Cavaco é a melhor opção para substituir Jorge Sampaio no Palácio de Belém. Não lhe corre no sangue o rio do espectáculo mediático, esse vírus que se alastra com uma facilidade devastadora pelo interior dos políticos e que este algarvio nascido em Boliqueime, de facto, nunca teve nem conseguiu ter.
O que Cavaco tem é um espírito humilde, um sentido de responsabilidade e seriedade necessárias para mergulhar nos seu ofícios com a certeza de que o seu trabalho deve ser realizado com o maior respeito pelos outros e por si. A forma como nunca ripostou aos ataques pessoais de Mário Soares durante a campanha eleitoral são prova evidente disso mesmo.
Fez indiscutivelmente o seu trabalho, limitou-se a defender as suas ideias (concorde-se com elas ou não).
É certo que a sua imagem de homem distante e frio pode afastar as pessoas. Mas o que neste momento Portugal precisa é de um homem que siga a linha de trabalho realizada por Jorge Sampaio no que diz respeito à visão da estabilidade necessária ao exercício produtivo do governo, mas que acrescente algo no sector emocional das pessoas, directamente relacionado com a questão da confiança.
Desfazendo o paradoxo atrás evidenciado, o mito sebastianista umbilicalmente ligado a Cavaco Silva (desde o seu afastamento da política após as presidenciais de 1996), acaba por ter um efeito positivo junto das pessoas.
Os poderes presidenciais previstos na Constituição portuguesa são claros e curtos no seu raio de acção, Cavaco sabe disso. No entanto o respeito que essa imagem sebastiânica lhe confere no que toca ao que os portugueses pensam dele, é uma ferramenta que este pode utilizar no sentido de criar o tão desejado clima de confiança favorável ao investimento público e privado, de modo a que a economia portuguesa seja mais competitiva. Só assim, descansando sobre uma almofada económica confortável, o actual governo socialista poderá desenvolver o conjunto de políticas sociais que melhore o nível de vida dos portugueses, ao invés de o degradar a cada semana que passa.
As mudanças, de um modo geral, têm o condão de agitar o que está calmo e promover reacções no interior das pessoas, que terão reflexos no seu contexto exterior.
A mudança pioneira da Presidência da República Portuguesa da esquerda para a direita é a prova de que Cavaco Silva tem um capital de confiança considerável junto dos portugueses: os resultados da noite passada comprovam-no. No entanto, só o futuro poderá dizer se este economista de 66 anos tem mesmo o que é preciso para que Portugal consiga, finalmente, crescer dentro das suas capacidades. Isto significa afastar dos centros de decisão as tendências megalómanas que são parte considerável do veneno que corrói a nação portuguesa.

P.S – Uma palavra de registo para Manuel Alegre. Sem apoios partidários e concorrendo contra a filiação oficial do PS no apoio a Mário Soares, o deputado e poeta socialista averbou um resultado impressionante. Ao deixar Soares tão distante no 3º lugar e, sendo o único candidato responsável pela dúvida que pairou no ar durante algumas horas face à realização ou não de uma 2ª volta, Alegre viu recompensada a sua coragem e transparência reveladas durante a campanha eleitoral.
A inexperiência que o caracteriza no que diz respeito ao desempenho de cargos importantes da hierarquia política, a par de concorrer com um “vencedor previamente anunciado”, terão impedido o respeitoso e digno Manuel Alegre de levar os seus poemas para Belém.

R.C.

terça-feira, dezembro 27, 2005

A Irlanda sabe

O texto anterior chama a atenção para o fogo que arde, mostrou como atiramos a lenha para a fogueira e depois queixamo-nos que "há fogo, há fogo!". Importa talvez saber o que cada um de nós pode fazer para não se queimar e, mais importante, como será possível apagar esse fogo.
O que me toca fazer para mudar as coisas ou, melhor ainda, para proteger-me, ajudando?
Prescindindo, fazendo escolhas, sendo inteligente.

Já que os Corleones deste país empurram o Estado (nós, claro) para investimentos faraónicos como o TGV (mais compreensível) ou a estupidez da OTA (...) e vamos sofrer no bolso como poucos na Europa, há que esquecer a gula e ganhar um pouco de humildade.
Pessoalmente quis ir para Sevilha passar o revéillon. Vou ficar em Portimão e poupo. Pensei em comprar um casaco de cabedal para o Inverno. Amei um em especial, custava 356€. Fiquei com o do meu irmão, custou-me nada.
No futebol está tudo inventado, ganha quem recorre aos exemplos de sucesso e desenvolve o seu trabalho a partir deles. Na política as coisas não divergem muito.
O(s) nosso(s) governo(s) devia(m) baixar a cabeça, ganhar humildade nas suas penas de pavão executivo e recorrer a quem sabe. A Irlanda sabe.

Aliando os fundos estruturais, decorrentes da sua integração na União Europeia em 1973, a reformas profundas de liberalização da sua economia (basicamente dirigida pelo Estado até finais dos anos 80, com resultados "dejà vu"), os irlandeses registaram um crescimento do PIB na ordem dos 80% na última década. E não é só Dublin que cresce e se desenvolve. Todas as regiões da Irlanda registam um crescimento real do PIB e isso também gera um clima de confiança social que estimula o investimento privado. Na Irlanda não se cresce através do betão. As pessoas vivem em bairros semelhantes, com casas baixas e humildes. Não se constroem 7 estádios de raíz para receber uma competição como um campeonato de Europa que sabem não poder suportar. Na Irlanda distribui-se os fundos da UE pela educação, pela formação, pela investigação; potencia-se os recursos humanos existentes. Não se vai para um campeonato de milhões com um saco de tostões. Herdando uma passado de dependência colonial, possuindo um terreno pouco fértil para a actividade agrícola e com uma população que não chega a 40% da portuguesa, a Irlanda revolucionou a sua economia num contexto de moderação da despesa pública, de estabilidade política e social e de um intervencionismo mínimo do estado na economia. Só assim é possível registar uma taxa de desemprego na ordem dos 4%.
Depois começamos a perceber melhor as coisas quando ouvimos (pouco, neste caso) falar de ricos e pobres, depois de conflitos sociais, de prostituição, de toxicodependência, de criminalidade...

R.C.

Tudo a postos!?

Ano 2006 (MMVI) no Calendário Gregoriano. Correspondente aos anos 5766-5767 no Calendário Hebreu e 1426-1427 no Calendário Islâmico. E... a 29 de Janeiro o início do ano do cão para o povo chinês.
Ano 2006 – Designado (não sei por quem) como o Ano Internacional dos Desertos e da Desertificação, mas também o ano em que se celebra os 250 anos de aniversário do compositor austríaco Wolfgang Amadeus Mozart e os 400 anos do nascimento do pintor holandês Rembrandt. Muito bom, mas eu não venho falar disto.

O título deste artigo (Tudo a postos!?) era suposto incluir uma continuação em forma de várias hipóteses, todas elas com um toque, uma conotação, de negatividade tipicamente portuguesa, de comentário feito no autocarro que vai da Pontinha a Carnaxide, de uma simples proposta a uma imediata ou posterior reflexão negativa por parte do leitor ou de simplesmente dar a vontade de responder a este artigo com um comentário. Passo a explicar. O «Tudo a postos!?» seguir-se-ia com a sustentação de várias questões que passo a citar:
Tudo a postos para mais umas eleições presidenciais!? - (A conotação do «mais» é suposto dar aquela força de “serem mais umas”; de realmente não mudarem nada; de um vazio que passará a ser outro vazio) – Tudo a postos para continuarmos a ouvir falar da Ota e do TGV por parte do Governo, com o genial toque de elitismo de nem sequer os portugueses terem a sua palavra, quanto ao SEU dinheiro, sobre duas temáticas que, de uma forma geral, parecem ser condenadas maioritariamente por todos nós!? Tudo a postos para mais uma cambada de ignorantes roubarem o dito Estado, que no fundo somos todos nós, mas que para esses não é mais que uma entidade tão burra e tão fácil de roubar, e ainda vangloriarem-se aos amigos do que conseguiram roubar ao Estado, não percebendo que, no fundo e indirectamente, roubaram esses mesmos amigos que descontam para o tal Estado e que suportaram e suportam todos esses desvios e negociatas feitas ao longo deste anos!? Tudo a postos para mais um ano em que excelentes e dedicados professores (mas talvez poucos) trabalham dez vezes mais que outros que, para além de serem maus professores, contribuem para o degradante estado do ensino em Portugal!? Tudo a postos para mais fábricas serem encerradas!? Tudo a postos para mais um Verão cheio de fogos e secas por todo o país!? Tudo a postos para recebermos mais licenciados desempregados!? Tudo a postos para, mais uma vez, vermos os dinheiros europeus serem gastos (ou enfiados ao bolso) por grande parte da dita classe política deste país!? Tudo a postos para mais umas belas aventuras de corrupção, lobbys, demissões e destituições!? E agora o mundo: Tudo a postos para mais atentados da Al-Qaeda!? Tudo a postos para, como portugueses e europeus, continuarmos a temer a China sem competir à altura!? Tudo a postos para mais não-sei-quantas violações dos direitos humanos por todo o mundo, incluindo os ditos “senhores” da democracia que são os E.U.A. E finalmente, a minha preferida: Tudo a postos para continuarmos a queixarmo-nos sem nada fazer por isso!?

Pronto, era só isto que eu queria dizer. Agora cada um que reflicta e decida o que acha melhor fazer em 2006. Bom Ano!

J.A.

quinta-feira, outubro 13, 2005

Desiderius Erasmus of.. Leuven

As palavras não me saem… Tento descrever, de qualquer forma possível, esta experiência de estar a fazer Erasmus em Leuven, Bélgica… Impossível! São demasiados momentos que quero insaciavelmente deixar marcados na minha memória. Sei que ao escrever, fixo-os em qualquer lado, mas simplesmente não tenho tempo para escrever! Quero sentir o máximo deste sítio, das pessoas que me rodeiam, dos ambientes por onde passo. Bruno, Kimley, Vera, Christopher, Gonçalo, Filipa, Diana, Ana, Sara, Rita, Barroso, André, Pedro, Ioanna, Maria, Fernanda, David, Koen, Don, Joana, Rui, Nicholas, Catarina, Daniel, José, Julia, Mariona, Jorge… Nomes de pessoas que representam momentos, conversas, ambientes, risos, sorrisos, stella’s ou whisky’s... Escrevinharei tudo aquilo que se passar, mas não agora – muito cedo para usar a química da nostalgia e da memória. Mais tarde.
Só estas palavras me podem ajudar a explicar o que se tem passado aqui:

"O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis."
Fernando Pessoa
J.A.